Continuando a fazer uma elucidativa viagem pelo comportamento dos jornalistas da área económica ao longo do chamado «período de ajustamento» chegamos agora ao momento subsequente à grande manifestação de 15 de setembro de 2012, quando Passos Coelho recuou na questão da TSU e o FMI reconheceu a existência de uma suposta “fadiga da austeridade”.
Como tenho aqui referenciado, socorro-me para este efeito do excelente trabalho de José Castro Caldas e de João Ramos de Almeida publicado no «Le Monde Diplomatique» de março.
A expressão então na moda passou a ser “espiral recessiva”, que levava o então diretor do «Diário Económico» a reconhecer que “o governo está bloqueado, o país está bloqueado (...) O programa, dizem os seus dirigentes, foi mal desenhado».
Pedro Santos Guerreiro, então à frente do «Negócios», fez um diagnóstico demolidor em 27 de março de 2013: “Em Setembro, com a TSU, tudo mudou. A política de austeridade começou a falhar, o governo mostrou-se fraco ante os mesmos interesses instalados, tem ministros (...) que são membros dos lóbis que supostamente combatem... O governo está desesperado perante o fracasso do seu plano, o país olha para a frente e vê-se para trás”. A hipótese académica de novos cortes era olhada como passível de aumentar ainda mais a pressão social.
Outro entusiasta da austeridade, Camilo Lourenço, quase chorava perante o fracasso da redenção por ele antes acolhida com tanto entusiasmo: “eu acreditava mesmo que, com um chicote em cima de nós, não teríamos outra hipótese senão reformar o Estado e o país. É hora de dizer que, depois de ver o que vi nos últimos meses (que culminou com a paralisação do governo), enganei-me redondamente... Portugal é um país irreformável”.
O governo de Passos Coelho viveu nesse verão os seus momentos mais difíceis com a demissão de Vitor Gaspar e a irrevogabilidade revogabilizada de Paulo Portas. Foi quando a direita sentiu que o regresso dos socialistas ao governo poderia dar uma séria machadada nas suas ilusões em ver o país “reformado” de acordo com os seus interesses e começou a falar de esperança e em melhoria dos indicadores económicos.
Em janeiro de 2014 já o Costa do Económico proclamava a existência de resultados positivos como preparação para a enorme cortina de fumo suscitada pela suposta “saída limpa”. Mas Pedro Santos Guerreiro deixava perceber o incómodo com a vigarice propagandística, que estava em marcha. Em 3 de maio a propósito do fim do programa de ajustamento e da saída da troika escrevia: “Foi para isso que vieram: para poderem sair. Se o país fica melhor ou pior já é assunto de quem cá fica. Eles fizeram o seu trabalho. O governo não. As reformas estruturais foram tão pouco reformas e tão pouco estruturais... A oportunidade foi perdida”.
Os entusiastas a austeridade não escondiam a desilusão: a despesa do Estado não fora reduzida à medida dos seus desejos, mantendo-se os custos com a educação, com a saúde ou com a segurança social muito acima do que pretenderiam. Por isso a recém-despedida Helena Garrido escrevia em 5 de maio de 2014 no «Negócios»: “Não tenhamos ilusões. O futuro não vai ser mais fácil. Anunciar amanhãs que cantam, quando ainda temos de estar preparados para tempestades, é vender sonhos que se podem transformar em pesadelos”. E o ultraliberal João Vieira Pereira mostrava-se tão indignado nas páginas do «Expresso», que passava ao insulto: “Sustentável em Portugal só há uma coisa, a estupidez”.
Hoje em dia todos estes elementos do coro pró-austeritário mantém-se muito ativos no combate ao atual governo, lançando-lhe anátemas sempre, que algo o parece enfraquecer - um bitaite do FMI ou de uma agência de notação financeira, uma décima a mais na taxa de desemprego ou uma posição mais divergente do Bloco ou do PCP.
O combate entre quem quer um país mais justo e igualitário e os que são pagos para, na comunicação social, o inviabilizarem está na ordem do dia. E não basta que o governo faça bem o seu trabalho, porque precisa de um nunca regateado apoio em todos os espaços onde ele possa sentir o respaldo do maior número possível de cidadãos, seja na rua, nas redes sociais e nas associações e organizações onde o Tempo Novo se possa expressar.
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