«Ivres paradis, bonheurs heroïques» é o novo livro do psiquiatra Boris Cyrulnik lançado ontem em França pela editora Odile Jacob. O tema é o heroísmo e as suas representações neste início do século XXI. Mas ele começa por explicar como se inicia o processo de criar um “herói”, aproveitando para tal o exemplo de Hitler.
Antes da crise económica de 1929 os alemães tinham uma das mais sofisticadas culturas da Europa e troçavam desse homenzinho ridículo cujas teorias, sobre a humilhação sofrida no fim da 1ª Guerra com o Tratado de Versalhes, pareciam oriundas de um lunático.
A bancarrota e a propaganda, que o apresentou como salvador do povo, infletiu essa opinião coletiva. Porque, como diz Michelet, quando o Estado falha, aparecem as bruxas. E o resultado foi a sucessão de tragédias, que culminaram na 2ª Guerra Mundial.
Algo de parecido passa-se hoje no Próximo Oriente, com Estados falhados, que empurram as populações para seitas sectárias lideradas por outros supostos salvadores. Alguns deles dizem-se capazes de morrer para salvar os seus discípulos, que passam a competir por se lhe equivalerem em se assumirem como mártires dispostos a sacrificarem-se pelo “bem comum”. É esta a lógica dos que fazem atentados suicidas.
Num espaço geográfico onde existem 14 milhões de crianças traumatizadas, órfãos, mutilados, abandonados, analfabetos ou sobrevivendo em famílias miseráveis não é difícil encontrar carne para canhão de tais estratégias terroristas.
É nesse caos, que crescem tais “heróis” a quem os condutores de almas indicam o caminho a seguir, a causa do mal e os meios para o superar. Nessas circunstâncias podemos admirar-nos de surgirem tantos jovens a consentirem ser armas de tal “redenção”?
Não existindo estrutura familiar ou cultural, ressurgem muito rapidamente os processos arcaicos de sociabilização, assentes na “lei do mais forte”.
Todos esses miúdos andavam à procura de uma forma de identificação e de sentido para as respetivas vidas, porque sentiam-se extremamente infelizes. Sem projeto de vida, nem estrutura afetiva, só sabiam falar do seu ressentimento. Ficam, então, vulneráveis ao recrutamento: dizendo-se “revolucionários” ou “braços armados de Deus”, não são mais do que marionetas incultas.
O cérebro tanto pode ser alterado por uma doença como pelo empobrecimento de um contexto cultural. Incapazes de não passarem à ação, falta-lhes a capacidade de distanciamento para refletirem sobre o que se dispõem a fazer. São presas fáceis para um chefe totalitário, que quer impor a sua lei. Basta-lhes fazer crer que se tornarão heróis e viverão junto de Deus depois da morte para colocarem o cinto na cintura com a maior das alegrias.
E não se pense que se trata de um processo lento: uma epidemia de crentes pode ser desencadeada em poucos dias.
Para o “herói” a morte é uma promoção . Morrer dessa forma é uma dádiva ao grupo, uma consagração quase divina. Eis porque os fanáticos fazem-se explodir no seio de uma multidão para levarem consigo o maior numero possível de “inimigos”.
Sem comentários:
Enviar um comentário