Em texto anterior, pus em causa a bondade de Marcelo Rebelo de Sousa a respeito da governação de António Costa e tive a reação de muitos amigos a dizerem-me algo do género: “Pois é! Mas, até agora ele tem-se portado sem razão para nenhum reparo!”
Mas será mesmo assim? O facto de ter levado o cravo na mão para a sessão parlamentar de 25 de Abril foi só um pormenor ou reflete o que é, e tenderá a ser, a postura do Presidente durante os próximos quatro anos?
Essa minudência surge acompanhada de outra característica dos seus discursos nestes últimos dias, que nos devem deixar de sobreaviso para o futuro: a insistência em “consensos de regime”, que mais não significam do que a recauchutagem do malfadado «arco da governação». Os setores sociais, que se reveem nele e que contam com a sua intervenção nos momentos mais críticos, que possam pôr em causa a estabilidade política do atual governo, são os que nunca aceitarão a solução governativa agora implementada. Pelo que não faltarão as insistências dos amigos e conhecidos, sempre que para tal tiverem oportunidade.
Se um Catroga não tem escrúpulo nenhum em pressionar António Costa em frente às câmaras de televisão para beneficiar os interesses dos acionistas chineses da EDP, como se comportarão outros Catrogas no recato das reuniões e encontros entre amigos? E como poderá Marcelo resistir a tão “simpáticas” sugestões?
Quando repete a rábula de Cavaco Silva sobre essa convergência necessária «a bem do País», Marcelo quer esquecer o essencial: as potenciais dissensões hoje percetíveis entre o Partido Socialista e os parceiros da restante esquerda parlamentar - sobre o que será o futuro da União Europeia ou o pagamento da dívida - são bem menores do que as sentidas com uma direita para a qual as «reformas estruturais» significam a redução do Estado Social ao apoio assistencialista aos mais desfavorecidos dos desfavorecidos, com o que isso implica de cortes nos rendimentos dos reformados, no despedimento de funcionários públicos, na privatização do pouco que ainda subsiste na propriedade do Estado e na crença inabalável na tal «mão invisível» por que se designa eufemisticamente o capitalismo mais selvagem.
Por agora Marcelo Rebelo de Sousa prega apenas para todos aqueles comentadores políticos, que defenderam com unhas e dentes a austeridade como via para chegar a amanhãs que cantam, e, mesmo confrontados com o falhanço dessa receita se revelam bem mais burros do que os próprios burros, porque não está provado que estes não sejam capaz de mudar de rumo, quando é inóspito aquele por que teimaram a seguir.
Por essas razões não manifesto qualquer confiança num Presidente em quem não votei e no qual continuaria a não votar. Porque Marcelo Rebelo de Sousa continua a representar um tipo de ideologia e de valores, que estão em total contradição com os que defendo. Apenas lhe posso reconhecer uma inteligência muito superior ao do antecessor que representava tanto mais obviamente essa ideologia e esses valores, que mereceram do atual o apoio nas três vezes que se candidatou a Belém...
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