Em 2 de março de 2013 vivi um dos meus piores. Ao contrário do que sucedera a 15 de setembro do ano anterior, os poucos milhares de manifestantes, que percorreram as ruas da Baixa Pombalina até S. Bento em protesto contra as políticas da troika, iam cabisbaixos, cientes de nada conseguirem mudar com a quixotesca vontade de manter na rua a indignação.
A crença profunda pelo fim do governo de Passos Coelho - que só parecera bastar um pequeno empurrão para nos deixar de atanazar - fora substituída pela sensação de o adivinharmos capaz de prosseguir no ataque contínuo aos direitos constitucionais e a redução do que restava do Estado Social a uma mera caricatura.
Se nesse dia alguém nos dissesse que, três anos depois, o país estaria a ser governado pelo Partido Socialista com o acordo parlamentar de toda a esquerda, seríamos tentados a utilizar a expressão de uma sitcom britânica em que duas garbosas indianas costumavam invetivar os supostos assediadores com o “In your dreams buddy!”.
E, no entanto é esta a realidade: por muito que a situação se afigure particularmente improvável, ela ajusta-se amiudadas vezes aos nossos melhores sonhos.
Sucedeu isso mesmo a 25 de abril de 1974: apesar de apenas contar 17 anos quando triunfou a Revolução, tive a sorte de ganhar consciência antifascista muito antes, graças a um meio onde volta e meia a Pide vinha recolher alguns vizinhos durante a madrugada, e às lições de Democracia dadas por um padre de vistas largas, chamado Augusto Sobral, que muito contribuiu para o esclarecimento de dezenas de jovens do então Liceu de Almada.
No entanto, goradas rapidamente as ilusões de uma suposta primavera marcelista, que afinal apenas significara a aparência de um inverno mais suportável, desesperáramos com a durabilidade do regime, cujo fim não se conseguia prever.
Adorávamos então um longo poema de Daniel Filipe, que acabava com a transcrição de dois versos de Paul Éluard: “ Au bout du chagrin, une fenêtre ouverte/ une fenêtre éclairée!”. O sofrimento parecia, porém, interminável, sem que nenhuma janela se abrisse!
E, eis que a tal manhã clara de Sophia rompeu a noite. “Aquele que está vivo, não diga nunca NUNCA!”, tinha sido outra lição que aprendêramos, sem nela ousarmos acreditar, por muito que vinda do admirado Brecht.
O meu 25 de abril foi igual ao de milhares de outros portugueses: agarrado ao rádio a ouvir a reportagem de Adelino Gomes e a acompanhar em ânsias a súbita concretização do que mais desejávamos. “Será mesmo desta?” E não é que foi mesmo?!
No dia a seguir o céu parecia mais claro, o ar bastante mais respirável e todas os sonhos passavam a ser possíveis.
Os meses e anos que se seguiram morigeraram-me as ilusões, mas raramente perdi a confiança num futuro mais esperançoso, porque justo e igualitário. Esse foi, é e será o meu programa ideológico de toda a vida.
Reconheço que naquele início de março de há três anos tive uma recaída. Esqueci-me dos versos de Éluard, do conselho de Brecht e das memórias dos dias em que valia a pena ser realista pedindo o impossível. Mas o governo de António Costa reiterou-me o ensinamento de não valer a pena desesperar. “Atrás de tempos, tempos vêm”, como diria o Fausto. E os atuais, aqueles em que pretendemos ver os nossos sonhos aproximarem-se da realidade, têm de ser defendidos com a maior das determinações. É que, como constatamos em tantos exemplos históricos, reconquistar o poder é a parte mais fácil: o difícil é consolidá-lo o bastante para tornar irreversíveis as conquistas implementadas em prol dos que delas mais necessitam...
Mas fica a maior das lições do 25 de abril: por muito escura que seja a noite, vale a pena acreditar nas manhãs claras!
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