Dias atrás referenciei o excelente artigo de José Castro Caldas e de João Ramos de Almeida publicado na edição portuguesa do «Le Monde Diplomatique» a propósito de um estudo sobre a evolução do pensamento de seis conhecidos comentadores na nossa imprensa económica entre os anos de 2010 e 2014. Regresso agora a ele porque vale a pena constatar como eles pareceram mostrar inequívocas consonâncias em períodos determinantes desses anos, como se estivessem coordenados com o objetivo de impor a narrativa, que lhes interessava: “opiniões que convergem em torno de temas focais e que concordam na mensagem principal.”
Estando todos nós, mesmo os ateus e os agnósticos, profundamente moldados pela influência dos valores da matriz judaico-cristã, esse matraquear das consciências a respeito de uma suposta culpa coletiva, tinha todas as condições para ser bem sucedida.
Vale a pena, aliás, ter presente um momento de uma conferência onde estive esta semana a propósito de um livro de Fernando Dacosta, quando este respondeu à pergunta de um elemento do público a respeito da passividade dos portugueses perante as quatro décadas de fascismo e as três de contínua influência de Cavaco Silva na sua vida quotidiana. E o papel da religião foi apontado pelo escritor como determinante para essa aceitação abúlica de formas diferenciadas de uma mesma visão totalitária da realidade.
Voltando, pois, ao artigo do «Le Monde Diplomatique», essa consonância entre diversos jornalistas foi evidente, quando se quis dar uma leitura da crise aberta pela falência do Lehman Brothers nos EUA, com a focalização em três temas fundamentais: a culpa, a inevitabilidade e os sacrifícios.
Fiquemo-nos hoje pela questão da culpa.
Logo em janeiro de 2010, Helena Garrido escrevia no «Negócios»: «A dívida dos Estados é, depois dos excessos das famílias, das empresas e dos bancos, a nova ameaça à estabilidade financeira».
Essa vontade de misturar as famílias com as empresas e o Estado na lógica de uma culpa coletiva, surge também no que assina Camilo Lourenço: «Quando gastamos mais do que produzimos, há sempre um momento em que alguém tem de pagar a factura» .
Em março de 2010, a mesma Helena Garrido continuava a justificar a razão porque seria escolhida daí a pouco por Teixeira dos Santos para dar a José Sócrates a fatal punhalada nas costas, que mandaria o PEC4 para as malvas: «Hoje não estaríamos preocupados com as agências de avaliação de risco se tivéssemos tido mais juízo a partir de 1995».
E o mesmo Camilo Lourenço fazia coro com ela querendo convencer-nos da condição de pecadores despesistas: “Uma coisa é certa: o livro de cheques alemão, que fazia de Tesouro europeu, ficou mais pequeno. E isso vai doer. A todos, mas sobretudo aos mal comportados”.
Não parecem sobrar dúvidas sobre o papel de tais comentadores na preparação do imaginário coletivo dos portugueses para a aceitação de tudo quanto Passos Coelho lhes iria propor como discurso eleitoralista capaz de o fazer chegar ao pote.
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