Um dos principais argumentos da direita para manter a linha austeritária durante os quatro anos que teve a maioria parlamentar foi a da inevitabilidade: os mercados exigiam cortes nos rendimentos das famílias e elas tinham de com eles se conformar.
Continuando a ter por referência o estudo feito por José Castro Caldas e João Ramos de Almeida, publicado este mês na versão portuguesa do «Le Monde Diplomatique», vamos ver como alguns dos nossos jornalistas tidos por especialistas em assuntos económicos contribuíram para corroborar essa tese.
Logo a 21 de janeiro de 2010 o atual diretor do «Expresso», Pedro Santos Guerreiro, escrevia: “Quem manda são os mercados”.
Helena Garrido acrescentava em junho: “E não vale a pena gritar contra eles ou tentar controlá-los especialmente na fase em que mais precisamos deles”. E Camilo Lourenço desafiava o país a “surpreender positivamente os mercados” num texto já datado de março de 2011.
Quer isto dizer que, ainda Sócrates era o primeiro-ministro e toda a imprensa económica já preparava o clima favorável ao que a seguir se verificou. Vejamos mais alguns exemplos eloquentes dessa criação de uma predisposição coletiva para os sacrifícios tidos como imperiosos.
Em 22 de setembro de 2010, a mesma Helena Garrido escrevia: “A crise que nos espera vai ser violenta, e ainda nem começou. Do Estado às famílias, todos vamos ter de enfrentar a realidade de sermos mais pobres do que pensávamos.” Mas quatro meses antes já ela anunciava a iminente redenção: “0 melhor que poderia acontecer a Portugal era um plano à FMI imposto pela União. Em vez desta morte lenta, teríamos uma violenta, boa e rápida recessão. Para voltarmos de novo a crescer com saúde .”
Pedro Santos Guerreiro alinhava pelo mesmo diapasão nesse maio de 2010: “Esta vertigem fiscal é odiosa, mas deixou de ser evitável. Agora, que venha por bem. Que venha regenerar a economia e preparar a nova vida depois da mortandade.”
Seria curioso confrontar hoje estes cruzados da austeridade com tais afirmações, para que se explicassem quanto à contradição insolúvel entre as suas previsões e o que a seguir aconteceria: o memorando da troika, o desemprego galopante, as falências descontroladas e um milhão de portugueses na rua em 12 de setembro de 2012 a demonstrarem que a “oportunidade” estava a converter-se num enorme “fiasco”.
Terá sido por essa altura, que alguns terão começado a ponderar na fiabilidade axiomática das suas convicções ideológicas.
Sem comentários:
Enviar um comentário