Na secção das cartas dos leitores de um dos jornais deste fim-de-semana, podia-se ler um texto bastante ilustrativo do estado de alma dos eleitores da direita ainda inconformados com a derrota dos partidos por eles apoiados.
Nessa carta o autor lamentava a votação parlamentar do Orçamento Retificativo, prevendo muitas outras situações em que a direita apoiará as iniciativas do governo, sobretudo quando este não contar com o apoio do Bloco ou do PCP.
Conformado com a forte probabilidade de ver António Costa manter-se como primeiro-ministro nos próximos quatro anos, o escriba mostrava particular irritação com o seu “sorriso trocista” durante todo o debate, que antecedeu aquela votação.
O texto em causa permite-nos retirar duas conclusões principais: a primeira é a de estar a ocorrer uma forte ressaca nos que se indignaram com a reviravolta política pela qual viram atirados para a oposição os partidos da coligação em que tinham votado. Como todas as ressacas mais intensas, a recuperação fá-los despertar para uma realidade surpreendente, que ainda mal conseguem divisar nos seus olhos semicerrados pela luz intensa com que são agora iluminados. Depois, há a considerar o conformismo dos que já estão mais despertos para o que vislumbram à sua volta e sentem-se algo confundidos com a falta de referências a que se agarrarem.
O caso Banif poderá abanar muitos dos que tinham comprado as ilusões vendidas por passos coelho e por paulo portas nos meses que antecederam as eleições. A ponto de vir a suceder algo contrário ao que se verificou há um quarto de século, quando já ninguém conseguia aturar a maioria absoluta de cavaco silva e não havia quem confessasse nele ter votado.
Daqui a algum tempo, quando a ação governativa de António Costa mantiver a sagacidade de que já deu mostras neste mês, será difícil encontrar quem confesse ter votado em passos coelho e em paulo portas. Nessa altura não espantará o entusiasmo dos recém-convertidos naqueles que, ainda há um par de meses, insultavam os socialistas…
Mas este previsível sucesso de António Costa - mesmo perante as imprevisíveis dificuldades com que se deparará a breve trecho - muito deve à sua inteligência. É que, perante o fracasso dos partidos socialistas e sociais-democratas um pouco por toda a Europa, ele intuiu a alternativa capaz de travar esse desiderato aparentemente inevitável: recuperar a matriz original do PS, que prefere uma mudança efetiva do paradigma implementado nos últimos anos às ilusões reformistas tão do agrado da tendência interna, que os acontecimentos recentes condenaram ao silêncio.
Em vez de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma (Lampedusa dixit…), António Costa promete uma transformação profunda da forma de fazer política e de quem por ela deve ser prioritariamente beneficiada, para que tudo fique bastante diferente para melhor. Por isso mesmo, o sorriso por alguns lido como “trocista” não o é. Ele espelha a confiança de se singrar numa direção onde se adivinham ventos mais de feição. E isso faz dele, indubitavelmente, a Personalidade nacional do Ano de 2015.
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