Estamos num tempo de grandes mudanças. Por muito que os cultores da TINA (There is no alternative!) insistam na sua esgotada receita, a celebrada “vitória” da direita nas legislativas pode vir a converter-se numa derrota duradoura. Porque, se é do interesse do Partido Socialista conseguir tempo bastante para iniciar a implementação dos objetivos inseridos na Agenda para a Década quer comunistas, quer bloquistas terão igualmente vantagens em a ela se associarem por muito que transijam nalgumas das suas principais convicções.
Em primeiro lugar, porque não se acelerando a marcha da História segundo os seus desejos, será muito diferente a aplicação de um programa reformista, capaz de reverter muitos dos recuos sociais e de reduzir as obscenas desigualdades cavadas nos últimos quatro anos. Em contraponto a continuidade das políticas de direita significaria sério prejuízo para os eleitores, que neles confiaram.
Depois, não é de somenos argumentar com a constatação cínica de que, tendo conseguido votações maximizadas no dia 4 de outubro, também as correspondentes subvenções anuais aos partidos políticos facultar-lhes-ão verbas bastantes para consolidarem as respetivas organizações. Recorde-se que o Bloco, ao perder metade do grupo parlamentar logo após o seu chumbo do PREC IV, entrou em tal crise (inclusive financeira), que se chegou a aventar a possibilidade de pura e simplesmente desaparecer…
António Costa tem, assim, garantidas condições de fiabilidade dos seus parceiros para os próximos quatro anos. E a desesperada argumentação de Álvaro Beleza numa entrevista à RTP3 só denuncia precisamente o maior receio dos seguristas: que a viragem à esquerda do PS, em concordância com uma grande maioria dos que nele votaram, torne possível aquilo que gostariam de travar para melhor servirem os seus aliados de direita. A exemplo do sucedido no Partido Trabalhista inglês, os “sociais-liberais” tenderão a converter-se numa “tendênciazinha”.
Mas convirá a António Costa seguir, por uma única vez, o preceito segurista de não ter pressa. Porque as más notícias relacionadas com a desgovernação de passos & Cª já se fazem sentir com mais despedimentos anunciados na Unicer e com a inflação em setembro a galopar 0,9%.
Todas as revelações desse teor adiadas para depois das eleições tendem a lembrar um balão demasiado cheio, que acabará por rebentar no muito curto prazo. Daí a pressa de passos & portas em formarem governo antes que mais despedimentos e recuos nas exportações os denunciem como os mentirosos e manipuladores, que são.
Compreende-se, igualmente, e dentro da mesma lógica, o matraqueamento de muitos dos comentadores televisivos, que procuram negar a possibilidade de um governo com o PCP e com o Bloco ao qualificarem-nos de extremistas. Na realidade foi a governação da direita nestes quatro anos a merecer essa caracterização. Porque se uns o são em teoria, passos & portas demonstraram-no na prática quotidiana de tirar rendimento aos mais desfavorecidos para encherem os bolsos aos ricos e em destruírem tudo quanto lhes cheirasse a Estado social para favorecer os interesses privados...
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