Confesso o meu pasmo, quando vi as televisões por cabo transmitirem em direto a conferência de José Sócrates sobre Política e a Justiça realizada em Vila Velha do Rodão. Qual o significado de tanta magnanimidade, quando qualquer dos canais em causa tinha ecoado muitas das “notícias” propaladas pelas publicações ligadas ao Grupo Cofina e a Álvaro Sobrinho e sopradas inevitavelmente por quem conduzia a Acusação?
Em primeiro lugar fiquei-me pela lógica do interesse mediático do acontecimento, que justificaria tal critério editorial.
São conhecidas as emoções exacerbadas relativamente ao antigo primeiro-ministro, pelo que a sua primeira intervenção pública depois da libertação só poderia causar um enorme interesse público traduzido em elevadas audiências televisivas.
Mas, porque não sou assim tão ingénuo, questionei-me se, quem quis fazer de José Sócrates um dos argumentos prioritários para levar eleitores desagradados com a direita a nela votarem em 4 de outubro, pretenderia agora reutilizar a mesma estratégia para obstaculizar a tomada de posse de um governo apoiado nas diversas forças de esquerda no Parlamento.
Numa altura em que são muitas as reações de repúdio pelo discurso de cavaco silva e pela manipulação a que os indicadores económicos e fiscais foram sujeitos nas semanas anteriores às eleições, nada melhor do que lançar uma nuvem de fumo capaz de os secundarizar na atenção coletiva.
É que se, como José Sócrates denunciara, o seu processo tinha claras motivações políticas e se destinavam a impedir a vitória do PS, quem concretizou tal estratégia com sucesso poderá voltar a querer repeti-la na esperança de ver receitas iguais repetirem os mesmos resultados.
Mas, se o ínvio objetivo de trazer novamente José Sócrates para as notícias diárias de abertura dos telejornais passava por esta divulgação, o tiro terá saído pela culatra. Porque a longa dissertação de José Sócrates sobre os abusos cometidos pelos agentes judiciais e as fortes alfinetadas a cavaco silva a propósito do discurso de quinta-feira, foram tão contundentes, que deverá ter posto muitos dos crédulos das fantasias divulgadas pela Acusação, a ficarem numa posição dubitativa.
Assusta um país, tal qual ele o descreve, onde a prepotência do ministério público e de alguns juízes ainda permite manter alguém preso sem acusação durante meses a fio. E que use de forma tão torpe uma imprensa alheada do código deontológico de quem nela escreve para criar inculpações na praça pública sem dar oportunidade de defesa do seu bom nome a quem é dela vítima.
Este momento culminante do fim-de-semana acabou por significar mais um sinal da viragem histórica, que estamos a assistir e justificativa da exaltante atenção com que vamos olhando para a sucessão dos acontecimentos. Após quatro anos de parêntesis nalgumas das principais regras democráticas, a nova maioria na Assembleia da República já as começou a implementar. Nomeadamente ao eleger Ferro Rodrigues como seu Presidente, rompendo com uma falsa tradição, que a direita pretenderia ver respeitada.
Alguém se lembrou de perguntar a razão porque essa mesma direita rompera, igualmente, com a tradição de nomear para a presidência da Caixa Geral de Depósitos um administrador oriundo do maior partido da oposição? Porque é que as tradições só devem ser respeitadas quando favorecem a direita e podem ser por ela rompidas quando favorecem a esquerda?
A direita está a começar a pagar os custos da forma totalitária como (des)governou Portugal nos quatro anos anteriores, jamais cuidando de lançar pontes de diálogo com o maior partido da Oposição.
Cá por mim esse pagamento irá prolongar-se duradouramente, como justo castigo para a falta de ética republicana, que ela tem demonstrado tão reiteradamente...
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