Nos últimos dias aqueles a quem faltam argumentos políticos, que contradigam a legitimidade da solução governativa acordada pelos partidos de esquerda, erguem-se num afinado coro em que alegam o estrito interesse pessoal de António Costa nas negociações em causa. O que se tem ouvido constitui uma sucessão de indecorosos assassinatos de carácter.
“Está a tratar da sua sobrevivência política!”, afiança paulo portas numa espécie de juízo, que lembra bem aquele conhecido provérbio (levemente adaptado): “mau julgador por si se julga!”
Quer os políticos da coligação, que por estes dias têm passado por sucessivos calafrios ao verem concretizado um cenário para o qual as seus quadriláteras mentes não se haviam preparado, quer os comentadores, que lhes servem habitualmente de altifalantes, têm-se esquecido de quem é verdadeiramente António Costa.
Nos mais de quarenta anos, que leva de exercício na política ativa, ele passou por muitas vitórias e muitas derrotas, mas todas elas fortaleceram-lhe as características, que vêm sobressaindo nestes últimos dias: destemido, não hesita em pensar soluções fora dos usos e costumes, e com uma habilidade negocial capaz de valorizar as convergências, onde outros julgariam ver, sobretudo, abismos.
Nesse sentido é o líder certo para o momento histórico em que se vive: aquele em que, pressionados pelos seus próprios eleitorados, que nunca lhes perdoariam a repetição dos erros cometidos com o chumbo do PEC IV, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins vislumbraram a prioridade de correr definitivamente com a direita do poder.
Desde então nenhum jornal, nem televisão, tem conseguido que os diversos negociadores dos quatro partidos envolvidos lhes passassem informações, que lhes servissem para perturbar o seu bom curso. Pelo contrário, quando tem falado nos momentos cruciais do processo para a designação do novo governo, António Costa tem sempre suscitado verdadeiros golpes de teatro, que deixa espantados os que já tinham ajuizado como quase impossível o acordo entre o PS e os Partidos à sua esquerda. E esse efeito de surpresa tem o condão de pôr em causa as convicções inabaláveis de uns quantos opinadores, que andam por estes dias armados em autênticas baratas tontas à procura de uma saída airosa para o labirinto mental em que se viram encerrados.
Um dos exemplos mais deliciosos de tal desconcerto sucedeu com Clara Ferreira Alves, que começou por agir histericamente no «Eixo do Mal», contra a exequibilidade desta solução e, no programa desta semana, já andava cabisbaixa a tentar racionalizar o que, emocionalmente, a deixara fora de si.
Chegamos, assim, ao dia do anúncio da decisão de cavaco com tudo em aberto: ou comporta-se como o faccioso, que nunca deixou de ser nos seus dois mandatos e faz o país perder tempo com a aposta falhada em passos coelho, ou é coerente com o que exigiu antes das eleições e empossa António Costa como o líder mais capaz de garantir uma alternativa sustentável de governabilidade.
Numa altura em que, por imperdoável laxismo, o governo de passos coelho sujeita o país a a forte penalização por não ter apresentado a Bruxelas o orçamento a que era obrigado, cavaco silva não é propriamente um inocente em todo este processo. É que, se fizer o país perder mais duas semanas com tal impasse, só acrescenta achas para a fogueira dos que não esquecem ter ele adiado as eleições para setembro - e não para maio como o alertavam quem já adivinhava as dificuldades com a apresentação do orçamento para 2016 - a fim de dar tempo aos marketeiros do PàF para que preparassem o “clima” e os meios adequados para favorecer a vitória da direita.
Esperemos que, por uma vez, saia de Belém uma decisão mais conforme com o interesse do país do que afinado com os do seu partido.
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