Quanta gente assustada vai perorando pela comunicação social. Lembram o jesuíta Malagrida, que já vê na possível coligação de toda a esquerda um verdadeiro terramoto e multiplica as prédicas a prever graves tormentas, ainda maiores do que as de 1775. E, no entanto, estes têm sido dias em que alguns mitos vão caindo e nos podemos livrar dos que execram aquilo que supostamente deveriam ser...
A situação política atual está a potenciar muitas clarificações sobre questões, que têm andado mal resolvidas em Portugal nos últimos anos.
A principal dessas novidades teve a ver com o fim de um mito, que ia permitindo à direita averbar sucessivos êxitos eleitorais apesar de só muito raramente conseguir ultrapassar os 50% dos votos dos eleitores.
Doravante será mais difícil que um pequeno partido como o CDS consiga ter cabimento em sucessivos governos apesar da exígua dimensão conferida pelos seus eleitores, quando concorre sem o respaldo de uma coligação.
Haja ou não um governo de esquerda nas próximas semanas, perde sentido o argumento de serem muito mais fáceis as maiorias à direita do que as da convergência de todos quantos se situam no polo contrário. É a falácia sobre um suposto «arco da governação», que acaba desmentida pela dinâmica dos acontecimentos.
Outra redefinição em curso tem a ver com o que será o Partido Socialista no médio e curto prazo. Na edição de ontem do «Público» o eurodeputado Carlos Zorrinho punha o socialismo totalmente na gaveta e prometia bater-se em Congresso por uma reorientação do Partido para um indefinido progressismo, que só esconde o que o nortearia: uma total cumplicidade com os interesses financeiros, que (ainda) dominam as políticas europeias e a continuidade da lógica austericida, que constituiu uma tragédia para muitos milhares de portugueses nos últimos quatro anos. A exemplo do que têm defendido os principais representantes da tendência derrotada nas Primárias de há um ano, Zorrinho mostra-se incomodado por ser apresentado quem já não é - socialista!. Se é que alguma vez o foi!
Ao contrário do que ele ou Francisco Assis têm defendido não existe maior aproximação ideológica entre os socialistas - sobretudo ao nível dos seus militantes e simpatizantes - com a extrema-direita neoliberal, que tomou de assalto o PSD e o CDS. As divergências com o PCP e com o Bloco de Esquerda, relativamente a algumas questões de política externa ou de resolução da dívida soberana, são menos importantes do que a vocação das três organizações políticas no sentido de criarem condições para uma melhoria da qualidade de vida dos portugueses e a defesa do Estado Social.
É pena que, por estarem incomodados com a orientação socialista do Partido, os zorrinhos e os belezas não saiam de motu próprio. Ou que, no mínimo, se limitem a ser um peso morto numa dinâmica onde já não contam. Mas, ao servirem de obstáculos perigosos a esse rumo, terão de ser confrontados diretamente com a força que julgam ter, quando decorrer o próximo Congresso. E esmagados pela sua própria irrelevância...
O futuro próximo ditará a redefinição do Partido Socialista: se, como acredito, António Costa for reconfirmado como secretário-geral para assumir as funções de primeiro-ministro ou de líder da Oposição ao governo periclitante da direita, as condições serão excelentes para assegurar uma viragem histórica do país, em que os partidos mais à esquerda, definitivamente dissociados da sua mera função de forças de protesto, poderão ser parceiros fundamentais para a estratégia de construir um país mais justo e menos desigual.
Se, pelo contrário, e com o empenho ativo dos meios de comunicação ligados à direita, houvesse a possibilidade dos seguristas infletirem o rumo definido nas Primárias de há um ano, o PS estaria condenado à sua pasokização, porquanto mais não seria do que mera muleta da insistente agenda ideológica da direita.
O exemplo do que ocorreu em Inglaterra esclarece-nos, de forma eloquente, sobre o que decorreu da viragem à esquerda do Partido Trabalhista: foi imediato o aumento significativo do seu número de militantes, sobretudo oriundos das camadas mais jovens, que se disponibilizaram a empenhar-se na concretização de um futuro onde a palavra esperança possa voltar a ter razão de ser...
Os trinta anos de militância socialista só podem justificar o meu repúdio pelas teorias indigentes dos zorrinhos e outros que tais. Em definitivo não foi para virar costas aos princípios socialistas, tendo por horizonte uma sociedade muito diferente da imposta pelo capitalismo selvagem, que aderi em 1985 ao Partido.
Se nos três anos de “liderança” da dupla Maria de Belém/ António José Seguro me vi divorciado das “abstenções violentas” e da falta de pressa para iniciar uma oposição a sério às políticas de austeridade, voltei à militância ativa para a substituir pela de António Costa.
Nesse esforço de cidadania encontrei milhares de amigos e camaradas irmanados pela mesma vontade de pôr fim ao tormento que a direita ia impondo aos portugueses. E foi para dizer basta a ela que a enorme maioria dos eleitores do PS lhe confiaram o voto no dia 4 de outubro.
Ao contrário do que os seguristas vêm defendendo, a maioria desses eleitores vê com simpatia a possibilidade de um governo de esquerda, que dite o fim das políticas derrotadas nesse dia. E sentir-se-iam traídos se o PS voltasse a dar a mão a quem a não merece.
É tempo de o PS voltar a orgulhar-se do nome que tem, em vez de o esconder sob a capa bafienta que alguns lhe querem colar...
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