sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Previsível e inconsequente

A literatura gótica é rica em exemplos de mansões arruinadas cujos anfitriões não tinham compreendido como tudo à volta mudara, tornando-os patéticos na sua obsolescência. Foi o que se passou ontem com cavaco: já todos percebem que está (politicamente) morto, mas parece que ninguém o avisou. Por isso o que os portugueses viram não foi um presidente mas uma mau personagem de filme de terror...


É claro que, numa primeira reação, o discurso de cavaco silva só nos pode causar indignação, mesmo sem ter tido o condão de surpreender.
De há muito que o sabíamos: criatura mesquinha, ele não consegue evitar ser quem é, sempre tomado pelos preconceitos, que lhe moldaram precocemente as enquistadas meninges. Filho do salazarismo, cavaco viu os tempos democráticos tenderem a afastá-lo desse atavismo, mas ele nunca deixou que isso alguma vez acontecesse.
Reconheça-se que, no discurso de hoje, ele só pecou por excesso ao explicitar o dislate de apelar à insurreição dos deputados socialistas contra o seu líder. Nesse sentido, julgando-se ainda capaz de exercer alguma influência no pensamento alheio, cavaco silva fez um enorme favor a António Costa e aos partidos de esquerda, que ele bem gostaria de ilegalizar: o repúdio pelas suas palavras atinge tal dimensão, que não só os deputados socialistas tenderão a unirem-se em torno da estratégia do seu líder, como os próprios partidos à esquerda sentirão ainda mais estímulo para agilizarem o acordo necessário à formação do governo de esquerda.
Embora tenha estudado economia cavaco silva parece ter passado ao lado de uma das mais elementares leis da Física: a da reação exatamente igual à da ação, em sentido contrário. Ao puxar o governo muito para a direita, cavaco silva esquece-se que será natural o contrabalanço mais para a esquerda.
Mas alguns aventarão a possibilidade de vir a desafiar a vontade maioritária dos eleitores com o prolongamento de um governo de gestão nos meses que faltam para sair de Belém.
Seria algo que ainda mais agravaria os níveis de abjeção, que suscita na maioria dos cidadãos nacionais. Se já ninguém lhe tira a “medalha” de pior presidente que Portugal conheceu em Democracia, ele arriscar-se-ia a terminar o mandato com enormes e ruidosas manifestações à sua porta.
Como tenho aqui escrito até nem haverá grande mal, que passos coelho se mantenha formalmente como primeiro-ministro durante umas semanas, já que elas poderão bastar para que saiam para a luz do dia muitas das surpresas de que António Costa falava na entrevista à TVI: e não é só a questão do Banif ou da TAP, onde os contribuintes serão “convidados “ a pôr dinheiro dentro em breve!
Que dizer dos resultados iminentes sobre os testes de stress ao setor bancário, cuja fragilização poderá obrigar a fusões (e respetivos despedimentos) e intervenções do Estado? Como continuar a esconder a súbita travagem nas exportações e o crescimento do desemprego? Que explicação dar para a continuação do crescimento da dívida pública?
Para a coligação da direita o “Inverno está a chegar” e não há muros nem guardiões do norte que lhes valha. Ao contrário do que alguns preveem - um governo de curta duração e eleições legislativas para o fim do primeiro semestre de 2016! - poderemos estar a assistir ao início de uma longa e inóspita travessia no deserto desta direita sem valores, cuja razão de existir se cingia ao usufruto do pote.

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