A leitura do «Expresso» deste sábado dá bem conta do pânico, que se apossou de uma certa classe dirigente - de que a maioria dos colunistas do semanário se faz porta-voz! - perante a possibilidade real de um governo de esquerda liderado por António Costa.
Se alguns deles começaram por imaginar o secretário-geral do PS a fazer bluff recorrendo para tal a uma hipótese meramente académica, logo sentiram suores frios ao darem com sinais dela se tornar, enfim, real. Por isso disparam agora com todos os argumentos, que lhes caibam nas mentes estreitas, como se todos os deputados eleitos não valessem igualmente e continuassem a classificar uns de primeira grandeza e outros como meramente decorativos no lado esquerdo do parlamento.
E, por isso, fogem como diabo da cruz de perguntas tão singelas como estas: porque será uma maioria absoluta de esquerda ilegítima perante uma minoria de direita? Em que parte da Constituição está a obrigatoriedade de ser o partido com mais deputados a ser incumbido de formar governo?
Pessoalmente só não me entusiasma, de imediato, essa coligação, porque lhe adivinho dificuldades incomensuráveis, a começar pela herança trágica, que receberia dos quatro anos de passos & Cª.
Nem preciso de me esforçar em traçar as linhas essenciais desse legado, já que o insuspeito Pedro Santos Guerreiro sintetizou-o bem no seu texto de ontem: “Uma dívida pública em 2015 de 130% do PIB (e não de 112%, como a previa no memorando de entendimento), com um desemprego de 12,4% (e não 10,8%), numa economia que decresce 3% em cinco anos (em vez de crescer 2%) não é sustentável. Falta PIB nesta dívida.
A dívida privada continua uma montanha, o que vai arrastando prejuízos (e por isso necessidades de capital) na banca; e a dívida externa não é menor, é maior do que em 2011, devemos mais ao estrangeiro do que antes do ajustamento.
O crescimento é fraco e desigual, a pobreza e a desigualdade aumentaram, até o défice reduziu (não tendo ainda sequer chegado aos 3%) com base em cortes dramáticos mas não definitivos, e que essa abstração chamada “défice estrutural” exige que sejam definitivos. E sem investimento não vamos lá.”
Agarrasse António Costa na governação sem a garantia de a poder exercer durante os quatro anos e justificar-se-ia o risco. Mas com a volubilidade dos potenciais parceiros à esquerda, o caso muda de figura. É que a direita tem de beber por inteiro o cálice de veneno, que preparou para os socialistas nestas eleições.
Veja-se, por exemplo, o caso dos já anunciados despedimentos na Unicer e na Somague. A que se somarão os três mil na antiga PT, mais umas centenas previsíveis na Autoeuropa.
É conhecido o pacto de muitos patrões com o governo da direita para adiar os almejados despedimentos para depois das eleições. Agora, que elas já se concretizaram, são de esperar outras más notícias destas, que transformarão numa miragem a propaganda de passos & Cª durante o último semestre em como o desemprego estaria a reduzir-se de forma sustentável.
Sobrará também a travagem nas exportações, com o mercado angolano a marcar passo, a Alemanha a entrar em recessão e o esgotamento da dinâmica criada pelos governos de José Sócrates, que o governo que se lhe seguiu aproveitou em seu favor.
Haverá que contar com o Novo Banco e os custos, que não tardarão a revelar-se para os contribuintes com o BCE a exigir-lhe aumento de capital para cumprir os requisitos entre os seus ativos e os seus créditos.
E, last but not the least, o tal défice abaixo dos 3% em 2015, que passos coelho e maria luís continuam teimosamente a dizer possível, mas até desacreditado por vítor gaspar.
É verdade que milhares de portugueses caíram, incautamente, e pela segunda vez, nas mentiras e manipulações de passos & portas. Por isso mesmo têm de ser eles a sentir a bomba de relógio a rebentar-lhes nas próprias mãos.
Acaso António Costa assumisse agora a liderança do governo, sem a tal garantia de uma maioria parlamentar sólida e com algumas fraturas internas à vista, e não tardaria a ser inculpado dos resultados negativos, que cabem inteirinhos no tipo de políticas implementadas nestes últimos quatro anos.
Torna-se, pois, asizada a prioridade a uma negociação tão dura quanto possível com um passos coelho fragilizado até no facto de não saber o que é consensualizar posições. Em vez de consolidar um terreno pantanoso para preparar novas eleições, o ainda primeiro-ministro estaráa contas com sucessivos escândalos e más notícias, que a médio prazo o condenarão. É o tal fritar em lume brando previsto por alberto joão jardim.
Mais importante do que chegar já à liderança do governo, caberá ao PS liderado por António Costa - eventualmente depois de derrotados os resquícios de um lamentável hiato segurista - derrotar a direita de uma forma humilhante, que a marginalize durante um longo período necessário para recuperar tudo quanto ela destruiu e impedi-la de voltar a ter condições para aplicar a sua sinistra agenda ideológica.
Nota final - do «Expresso» deste fim-de-semana volto a destacar o excelente cartoon de António com a “celebração de vitória” de passos e portas a ser submergida por um potente tsunami.
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