1. O fim-de-semana já passou e, apesar dos apelos lacrimosos de marco antónio costa, nenhum negociador socialista estava à porta da sede da Rua Buenos Aires, quando ela entrou esta segunda-feira no seu horário de expediente. Mas, é claro que as palavras do antigo nº 2 de luís filipe menezes em Gaia não eram para levar a sério: tratava-se tão só de manter viva uma chama já muito trémula e inevitavelmente condenada a apagar-se. Porque, como reconhece Rui Tavares, apesar da polarização do ambiente social e político nos últimos dias, já se nota que “os argumentos contra uma governação ancorada à esquerda começam a escassear”.
Neste início de semana já é comummente aceite que cavaco silva comportou-se como “o pirómano que ateia fogos incontroláveis”, com um discurso que, segundo Manuel Carvalho, “redundou num tão grande e grotesco desastre político”.
Ainda no «Público», donde tenho estado a recolher estas sucessivas citações, Correia de Campos constata: “Poucas vezes se viu o imediato impacto de uma peça política tão contrário ao que pretendia o emissor. Se não passámos a reconhecer o Doutor Cavaco como socialista militante, passámos a ver nele, ao menos, o grande aglutinador e o principal ator do processo político de união das esquerdas.”
Esse virar do feitiço contra o feiticeiro terá sido uma completa surpresa para cavaco e seus conselheiros, já que, de uma assentada, conseguiu consolidar uniões à esquerda, ainda por cimentar, e causar incómodo nos setores próximos dos seus. Quando marcelo rebelo de sousa, manuela ferreira leite, marques mendes ou o presidente da CIP se dissociaram do que disse, pouco mais lhe restará do que empossar António Costa como primeiro-ministro, mesmo que à custa de doses reforçadas de calmantes.
Poderemos, então, dedicar-nos às eleições que se seguem - as presidenciais -, infelizmente eclipsadas por todo este imbróglio em torno da vitória de Pirro, que a direita julgara inquestionável. Razão para que continue a contrariar, com fundamento, quantos ainda se atrevem em falar da “derrota” de António Costa.
Na realidade este é o melhor dos resultados, que poderia acontecer ao líder socialista: tivesse ganho com maioria relativa e estaria a contas com a dificuldade de garantir a não obstrução da coligação negativa do PEC IV ao seu governo. Assim pôde ocorrer o que já se julgava um mito sebastianista: a capacidade para toda a esquerda se conjugar num projeto comum. Com possibilidade dessa capacidade de trabalho político entre os quatro partidos em causa resultar num projeto duradouro e assaz vantajoso para a maioria dos portugueses.
2. É claro que Angola está a ser um caso muito difícil de gerir, sobretudo agora que a greve da fome de Luaty Beirão pôs à prova as relações de força entre a enfraquecida ditadura angolana e o ainda servil governo português.
O que espanta em José Eduardo dos Santos é nada aprender com a História de outros regimes como o seu: cleptocracias que nem as aparências democráticas conseguem escamotear a sua verdadeira natureza. Todos os exemplos da História recente acabaram mal, quer para os seus protagonistas, quer para quem com eles retirava benefício.
É claro que os muitos milhares de portugueses emigrados em Angola são peso significativo num dos pratos da balança, mas perante tantos sinais da degenerescência do regime, a atitude mais avisada terá sido a de António Costa, cuja carta ao MPLA propunha a mediação para um exacerbado conflito que só ganha com a concertação entre o regime e os seus opositores.
Sem comentários:
Enviar um comentário