sábado, 21 de julho de 2018

Quando a direita temeu as mudanças prometidas pelo Serviço Cívico Obrigatório


Nos últimos anos Sofia Leite tem realizado algumas das melhores reportagens a que temos assistido na RTP. Embora apresentadas quase sigilosamente no segundo canal, elas dão do país um retrato rigoroso e objetivo, quer no passado que volta a revisitar, quer no presente aonde continuam vivos os efeitos dos acontecimentos em causa.
Em vésperas da comemoração do 25 de abril foi-nos disponibilizado o documentário «Dos Livros para a Enxada», sobre o Serviço Cívico cumprido por muitos dos jovens, que tinham acabado de concluir o ensino secundário e não encontravam vaga nas universidades. Os governos provisórios viram-se, então, confrontados com o dobro das candidaturas ao ensino superior em relação às verificadas anteriormente não estando as universidades preparadas para tão grande afluxo. A alternativa era propiciar-lhes o contacto com o país real, integrando brigadas  destinadas a construírem escolas, montarem bibliotecas, darem informações ou fazerem inquéritos sobre a saúde das populações, ou apoiarem os esforços de Michel Giacometti na recolha de canções, rezas, alfaias e outras ferramentas de trabalho, que enriquecessem o conhecimento patrimonial do país.
A ideia fora de Vitorino Magalhães Godinho e teve aplicação efetiva no verão quente de 1975, quando a direita criava um clima de guerra civil contra os partidos e os movimentos de esquerda. Por essa altura  Durão Barroso, já então arrivista a buscar notoriedade através de ações terroristas com as cores do MRPP, quis-se distinguir como opositor dessas campanhas, hoje vistas com enorme saudade por quem integrou tal esforço e pelas populações, que as recordam como momentos muito importantes nas suas vidas.
O Museu do Trabalho em Setúbal é o exemplo vivo de quanto se ganhou com essas campanhas, que providenciaram muitos dos objetos então coletados com esse objetivo. E os registos sonoros das entrevistas então concretizadas são documentos históricos de uma riqueza inestimável.
A reportagem dá conta dos boicotes, dos boatos e de outras manifestações de hostilidade de padres e caciques locais, que  difundiam as maiores absurdidades quanto ás intenções daqueles barbudos e daquelas raparigas modernaças, que lhes invadiam as aldeias. Mas, a mais de quarenta anos de distância, quem olha para as fotografias, os filmes ou registos sonoros então recolhidos só pode reconhecer quão diferente se tornou a realidade. Por muito que apareça quem diga tudo ter constituído milagre da Senhora de Fátima ou da súbita lembrança de Deus sobre um povo até então por ele esquecido.

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