Decididamente Sá Carneiro não chega sequer aos calcanhares de Mário Soares. Deixei implícito esse juízo comparativo em texto anterior, mas agora obrigo-me a enfatizá-lo, porque Marcelo Rebelo de Sousa veio secundar a ideia de uns estarolas laranjas, que fazem depender o reconhecimento de tal honra ao ex-Presidente da República apenas se a mesma for estendida ao seu antigo colega de partido.
A História foi relativamente benévola para com o político que se despenhou esturricado em Camarate, porque poupou-lhe o desmascaramento de que seria objeto acaso não visse abreviado os seus dias.
Quem viveu os últimos dias da campanha eleitoral para as presidenciais de 1980 nunca mais esquece o clima de quase insuportável opressão imposto pelo governo da AD, que pressupunha a imposição de um tipo de regime do género do atualmente verificado na Hungria de Viktor Orban, baseado numa maioria absoluta apostada em negar qualquer capacidade de intervenção a quem não se lhe sujeitasse.
Mesmo anteriormente Sá Carneiro mostrara essa tendência autocrática dentro do próprio PSD, fazendo birras e autoexilando-se em Inglaterra ou em Espanha, enquanto as direções a ele desafetas não se vissem corridas pelos prosélitos, que por cá deixava a sabotá-las.
Não! Sá Carneiro não se pode de modo algum igualar a Mário Soares, porque nunca foi um democrata, por muito que tivesse querido aparentá-lo ao pressentir a derrocada iminente do marcelismo. O país nada tem a agradecer-lhe por quanto possa ter feito em benefício dos seus cidadãos. Lembremo-nos, por exemplo, do Serviço Nacional de Saúde, que foi aprovado em 1979 com os votos contra, não só do CDS, mas também do PSD de Sá Carneiro e de... Marcelo Rebelo de Sousa.
Querer equiparar o medíocre político de direita ao fundador do Partido Socialista e corresponsável por muito do que de bom foi conseguido desde 1974 é um insulto para a Democracia, que esta não merece. Porque se daqui a um século a História continuará a sublinhar a importância de Mário Soares em tudo quanto sucedeu na segunda metade do século XX português, quem se lembrará então de um frustrado golpista, que levou os seis anos subsequentes à Revolução de Abril a congeminar as formas mais tenebrosas de a destruir?
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