Em miúdo frequentei bastante o mundo das touradas até por ter um avô, que tinha grande prazer nesse tipo de espetáculo. Ademais conhecia pessoalmente um dos principais ganadeiros da altura - com quem partilhara o enorme sofrimento da campanha na Flandres em 1918 - a quem visitava, levando-me para conhecer a forma como se preparavam os animais para as lides taurinas.
Até por ter desse avô gratas memórias poderia dele ter herdado essa perspetiva positiva sobre as touradas. Mas não tenho! Pelo contrário, renego-a como algo visto como fascinante quando era miúdo, mas hoje execrável no que significa o sofrimento do animal.
Curiosamente andam aí pelos jornais uns quantos paladinos dessa tradição, que recorrem a um argumento que se me afigura risível: se os detratores das touradas não gostam de tal espetáculo só têm de não os frequentar, dando liberdade de escolha aos que se comprazem com essa barbaridade. No fundo replicam o que, à esquerda, se tem dito a propósito do aborto ou da eutanásia: quem não as quiser praticar só se tem de eximir de o fazer, dando liberdade a quem não vê nisso qualquer problema.
Mas serão equivalentes esses argumentos? Claro que não são, muito embora os taurinófilos queiram explorar tais semelhanças: alguém que não quer que se desenvolva o feto, que cresce dentro de si sem ainda ter chegado a uma formatação mental inerente a um ser vivo autónomo, toma uma decisão legítima, que só diz respeito ao seu corpo. Quem procura o recurso à morte assistida apenas está a tomar uma decisão de durabilidade da sua própria vida. Ora, os defensores das touradas não estão a exigir legitimidade apenas sobre o prazer, que retiram do sofrimento do touro, porque lhes é indiferente o que este sente no contínuo rasgar das carnes pelas farpas dos toureiros, dos bandarilheiros ou dos cavaleiros. É sobre outros corpos, que não são os seus, que se arrogam do direito de decidir sobre o seu sofrimento e morte.
Porque os animais não se equivalem ao ser humano? Mentira, mais do que demonstrada pela Etologia: os animais também têm afetos e consciência do prazer ou da dor. E nisso têm de ser respeitados.
Poder-se-ia pensar que é estulta a guerra civilizacional, que se está a lançar contra as touradas tendo em conta o desapreço progressivo que os circos com animais estão a conhecer junto do público mais esclarecido. Não tardará que o espetáculo circense apenas seja visto como legítimo se dispensando o recurso a animais selvagens domesticados. Nessa lógica o espetáculo taurino também se perspetiva condenado pela ausência progressiva de quem a ele assista, tendo em conta essa consciência crescente quanto aos direitos dos animais. Mas, porque continuam a haver touros a sofrerem nas praças portuguesas durante a época estival, constitui um imperativo a importância de os poupar a tal crueldade impondo de vez aquilo que os catalães já aprovaram - a proibição definitiva de tais eventos.
Se a iniciativa parlamentar nesse sentido não passou desta vez, ela não tardará, como muitas outros, que vão no sentido do progresso, a concretizarem-se a curto, médio prazo...
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