Não costumo sentir grande afinidade com as opiniões de Ana Cristina Leonardo, mas subscrevo por inteiro a sua preocupação emitida no seu texto «Os perus reais são mais pesados do que os perus imaginados» («Expresso», 26/8/2017). De facto temos andado a ser complacentes, quando aceitamos a ideia por ela descrita a partir do pensador inglês Simon Blackburn em como são lícitos os pontos de vista de todos quantos convivem connosco em sociedade, porque os assumem como correspondendo à sua «verdade» e ela decorre de fundamentos com devida licitude. Assim seriam tão aceitáveis os nossos valores ocidentais quanto o dos fundamentalistas islâmicos, que os põem em causa. Seriam tão legítimas as manifestações dos racistas de Charlottesville como as contramanifestações que contra eles protestavam. Tão justificáveis as preocupações de alguns com o sexismo de uns cadernos de apoio escolares da Porto Editora como a invocação do seu sucesso de vendas para os manter nas prateleiras das livrarias. Existiria assim uma equiparação de estatuto, que tanto possibilitaria a livre expressão de uns como a dos seus oponentes.
Eis uma falácia a que importa pôr cobro e que se traduz na necessidade de recuperar a ideia do que é Politicamente Correto. Conceito que as direitas morais e políticas conseguiram torpedear tempo demais, porque dificultavam-lhe a imposição da sua agenda ideológica.
Hoje importa de facto que sintamos a legitimidade de definirmos o que é Politicamente Correto e que consensualizemos à esquerda a sua dimensão. Por exemplo importa repor a ideia de que o Antifascismo é um valor impreterível, que justifica que, em seu nome, se reprima nas ruas, nas leis, na comunicação social e nas redes sociais, tudo quanto corresponda à expressão de conceitos de xenofobia, racismo, sexismo, homofobia e terrorismo, o que abarca não só os movimentos neonazis, mas também os de cariz fundamentalista, sejam ele islâmicos, cristãos, budistas ou hindus.
Mas imposta essa barreira entre o que é licito transmitir em nome da liberdade de pensamento - que nunca pode ser absoluta, mas sujeita ao bem comum! - importa ir mais longe e isso implicará contrariar todos quantos, sem terem algum ganho próprio (a não ser o da promessa de recompensa divina no Além!) pretendam restringir a liberdade de todos os outros, signifique isso a opção que cada um tem direito de dispor do seu próprio corpo (para seguir ou não com uma gravidez por diante, para morrer sem dor no momento em que pretender, etc.) ou de assumirem a sua consensual sexualidade com parceiros adultos sem que ninguém tenha nada a ver com as suas escolhas.
Trata-se, pois, de não aceitar a Liberdade como um fim em si, mas como um direito, que ninguém pode por em causa tão só ela seja vivida sem prejuízo, nem opressão de quem quer que seja. O que acabará por colocar a questão maior, e que subsiste latente na nossa sociedade desde a Revolução Francesa: como resolver a questão da exploração das maiorias por cada vez menores plutocráticas minorias...
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