Às esquerdas, a nível mundial, anda a custar a assimilação do que as congéneres portuguesas vêm demonstrando à saciedade: só unindo-se conseguem ter força bastante para fazerem prevalecer a sua Visão de futuro.
As eleições de ontem confirmam-no: na Alemanha o SPD paga os custos de uma aliança com a direita, que nada aplicou dos seus valores e deu livre curso a Merkel para concretizar os seus. Tivéssemos mantido António José Seguro à frente do PS aprovando a convergência por ele pretendida com as direitas (instigado por Cavaco Silva faltou pouco para a aceitar!) e veríamos replicados em Portugal estes tenebrosos resultados. Em França nas eleições senatoriais parciais, o PS e o PCF conseguiram aguentar os seus bastiões contra as investidas do movimento de Macron, mas mantiveram-se nos mínimos históricos alcançados nas últimas legislativas.
Face às direitas, que não conseguem apresentar soluções consentâneas com um desenvolvimento perverso do capitalismo, as esquerdas, só deixando-se de dogmatismos e encontrando os denominadores comuns que possam alavancar-lhe a união de esforços, conseguirão prevalecer.
No «New York Times» Paul Krugman explicita o grande imbróglio em que as direitas se vêem, abordando os limites do Partido Republicano: andou anos a propagar mentiras sobre a possibilidade de um Sistema de Saúde extensível a todos os americanos e muito mais barato do que o execrado Obamacare, a exequibilidade de redução de impostos aos mais ricos sem ver o défice avolumar-se ou a irrelevância das ações humanas nas alterações climáticas. Agora, que não têm a desculpa de uma Administração na Casa Branca para impedir-lhes o cumprimento de todas as promessas, veem-se manietados pela realidade, pagando-lhes o respetivo custo. Se destruírem o Obamacare muitos dos que neles votaram e beneficiaram com as políticas de saúde implementadas nos últimos anos, virar-lhes-ão as costas e pôr-lhes-ão em causa a reeleição. Se avançarem com o pacote fiscal de favorecimento dos mais ricos terão de imprimir muitos dólares para aumentar a sua circulação, mas já não encontrarão o clima dos tempos de Reagan em que os mercados financeiros internacionais os absorveriam mesmo sabendo-os sem correspondência com a riqueza produzida. E os furacões mais recentes desmentem todos os fins dos verões as falácias sobre o aquecimento global.
Krugman pressupõe que, se é fácil aos republicanos chegar ao poder, mais difícil torna-se executá-los, divididos que se veem entre os eleitores a quem mentiram e os financiadores das campanhas eleitorais, impacientes por verem as suas indústrias poluentes sujeitas a menores restrições ambientais e sem os já magros encargos que a administração fiscal lhes impõe.
Parecendo, pois, ser um tempo em que as direitas parecem pujantes de capacidade de afirmação, é também aquele em que melhor se demonstra a sua inconsequência. É por isso mesmo que Martin Schultz faz muito bem em levar o SPD para a oposição, deixando Merkel entregue às condições chantagistas dos liberais. Já esta manhã, no twitter, Varoufakis previu o adiamento para São Nunca à tarde, do projeto de federalizar a Europa, tão oposta é a perspetiva do putativo aliado da reeleita chanceler.
Na oposição os sociais-democratas alemães poderão liderar a oposição e estabelecer alianças com o Die Linke de quem têm estado apartados num fútil sectarismo. Só assim se reduzirá o efeito da entrada da extrema-direita no Bundestag, cingido a inócuo altifalante do racismo e da xenofobia, mas sem nada de substantivo a propor, que não seja a reedição bafienta e criminosa do “Deutschland über alles”. Num comentário desta manhã nas redes sociais alguém sugeria com piada, que o entusiasmo de Marine Le Pen pelo sucesso de tal gente, significava implicitamente o desejo de ser por ela novamente invadida.
Quer na Alemanha, quer em França, quer na incapacidade dos republicanos EM conseguirem revogar de vez o Obamacare, demonstra-se que há mais marés que marinheiros. E a vaga que trouxe esta aparente ebulição direitista é a mesma que a levará de volta abrindo espaço para quem experimenta com sucesso outra receita política alternativa.
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