Eram consideradas as mais importantes eleições do ano e não desiludiram quem nelas perspetivava consequências determinantes para o futuro imediato do espaço europeu. Ao penalizarem os partidos do centro e darem à extrema-direita um resultado indecoroso os alemães revelaram-se principalmente sensíveis, no pior sentido, ao drama humanitário, que fez convergir para as suas cidades ocidentais alguns milhões de refugiados do Médio Oriente islamizado. Mas, que as melhores votações nessa força política protofascista tenha vindo do antigo Leste comunista - onde a presença dessa população emigrante é diminuta! - diz bem como existem algumas nuances entre causas e consequências, sendo bem mais relevante o que parece do que aquilo que é.
O sucesso da Alternativa para a Alemanha (AfD) decorreu de uma estratégia, que já resultara com Trump e para a qual as forças democráticas ainda não encontraram paliativo. Um analista particularmente sagaz, Joerg Forbrig, explica como ela se concretizou: com uma periodicidade certa como um relógio “todas as semanas, por vezes duas vezes por semana, surge uma afirmação polémica de um dos candidatos”. Por exemplo que a Alemanha deveria orgulhar-se do comportamento dos seus soldados durante as duas Guerras Mundiais.
Divulgadas pelos media, essas atoardas são discutidas, muitas vezes com indignação, levando quem as proferiu a desculparem-se com o facto de não terem expressado da melhor maneira as suas ideias. No entretanto, todos os principais órgãos de informação já lhes tinham dado espaço maior na sua disseminação.
A partir daí os insatisfeitos, os frustrados, os que mais facilmente aceitam o preconceito como explicação para o seu próprio demérito, veem nessa força política a oportunidade de, pelo voto, expressarem os seus piores desígnios. Mesmo que, interrogados a tal respeito, neguem a condição de fascistas, nazis, sequer racistas.
Explicam-se assim muitos dos votos na AfD: no Leste o nível de vida ainda está aquém da média alemã e os lugares de topo nas empresas ou na administração pública foram tomados de assalto por quem veio do lado ocidental. Enquanto essa desigualdade perdurar a extrema-direita encontrará terreno fértil para nele cavalgar.
Os 93 ou 94 deputados, que ocuparão no Bundestag são uma dor de cabeça para Merkel, tendo em conta a determinação dos sociais-democratas em encabeçarem a oposição. É que as visões políticas de liberais e de verdes são tão incompatíveis, que o futuro governo poderá atolar-se numa longa letargia pantanosa, com efeitos numa União Europeia onde Macron ambicionava impulsionar uma reforma de cunho federalista agora seriamente inviabilizada por um desses parceiros da nova coligação governamental de Berlim. O que começa por ser uma boa consequência destas eleições, de tal forma essa transformação pareceria mais destinada a satisfazer o ideário neoliberal do seu proponente do que a real necessidade dos povos europeus.
Outro reflexo positivo dos resultados de domingo é a decisão de Martin Schulz em liderar no seu partido a intenção de o redimir a partir de tão fraco resultado. A partir deste momento mais frágil, a esquerda alemã poderá aproveitar a inconsequência do novo governo para defender uma alternativa bem mais consentânea com os seus valores. Ainda que não possa subestimar Merkel que, mesmo nas piores alturas, consegue encontrar solução para as suas fraquezas: veja-se a forma como em 2007 soube permanecer estoicamente indiferente ao cão trazido para uma reunião a dois por Vladimir Putin, que sabia ter ela uma fobia sobre os caninos desde precoce e difícil experiência. Ao compreender que o presidente russo manifestava nesse gesto a sua própria insegurança, conseguiu manter-se impassível ao que para ela era uma íntima provação.
Essa capacidade para se manter imóvel tem sido, aliás, uma das marcas políticas do seu longo consulado à frente do governo alemão como os gregos bem sentiram na pele e nos bolsos, quando ela quase os deixou afundar-se na bancarrota antes de lhes dar uma mão não muito firme. A maior curiosidade será a de saber-se se, qual o «kagemusha» do filme de Kurosawa, ela consegue ver bem sucedido esse estilo nas novas circunstâncias ou se, sendo obrigada a movimentar-se mais do que o habitual, precipitará a sua queda. Tanto mais que tudo aponta já não poder contar com Schäuble no seu novo elenco.
Finalmente, a melhor notícia decorrente das eleições de domingo é o começo do estilhaçamento da aqui muito referida extrema-direita: a defeção de alguns dos seus principais dirigentes na compita sobre quem consegue ser menos odioso do que os parceiros, repete o que, igualmente, está a acontecer com o partido de Marine Le Pen, também ela agora abandonada por aquele que fora o seu número dois. É uma tese a aguardar demonstração, embora com precedentes históricos já reconhecidos: após alcançar apoios eleitorais expressivos, muitos destes movimentos depressa tropeçam nas intrigas, nos ódiozinhos pessoais neles omnipresentes, reduzindo-se, mais tarde ou mais cedo, à sua insignificância substantiva.
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