Na edição semanal do «Expresso» vale a pena reter o artigo de Pedro Adão e Silva, que merece ser lido com a devida atenção por explicitar algo que vai sendo uma evidência na nossa quotidianidade nacional: existe um conluio permanente entre o mau jornalismo e o Ministério Publico liderado por Joana Marques Vidal, cujo tortuoso mandato só se concluirá em finais do próximo ano.
Muito embora ela esteja condenada a cair rapidamente no esquecimento graças à sua evidente mediocridade intelectual, a procuradora geral merecerá mais do que isso: nas nossas memórias futuras dever-lhe-á ser garantido um lugar privilegiado de evocação da sua ação partidária permanente, arquivando ou nem sequer abrindo as justificadas suspeições sobre o enriquecimento de políticos de direita e mostrando-se lesta a permitir a devassa de todos quantos se associam ao Partido Socialista.
Nesse sentido, se a Democracia anda a sofrer tratos de polé por parte de quem se acoita no edifício da Rua da Escola Politécnica ou de quem dele depende, os objetivos a longo prazo parecem ir sendo cumpridos. Quer porque os donos dos jornais e das televisões mostram nele um empenho, tanto mais evidente quanto adivinham as próximas limitações de se verem condenados à falência e, por isso mesmo, à perda do seu principal instrumento na manipulação da opinião pública, quer por manifesto egoísmo dos interesses corporativos que, sentindo manifestamente melhor a situação económica do país, exigem para si os ganhos que devem ser distribuídos de forma mais justa por todos quantos se viram empobrecidos pelos governo da troika.
No texto de Pedro Adão e Silva, que aqui se transcreve, só discordo do último parágrafo: Sócrates terá sido vítima desse conluio em vez de lhe estar na origem como uma leitura possível dessas palavras pode concluir. Mas ele tem plenamente razão quando pressupõe um sério risco para a Democracia a forte possibilidade de tal conluio levar à abstenção na participação política de quem, sendo íntegro e competente, não está para ver a sua vida privada sujeita à bisbilhotice doentia de quer só se compraz com a chafurdice difamatória.
O caso da compra da casa de Fernando Medina é disso exemplo elucidativo: um não caso foi amplificado de forma a pôr em causa quem tem demonstrado inequívoca competência para gerir uma cidade em acelerada mutação. Mas quem o pretende achincalhar busca objetivos mais ambiciosos: tal como aconteceu com Paulo Pedroso os suspeitos do costume não descansarão enquanto não eliminaram do caminho quem se perfila para devires políticos mais arrojados, aqueles que podem contribuir para que os portugueses percam a tendência para se diminuírem, emancipando-se para futuros mais ousados.
Para quem não teve acessível o texto de Pedro Adão e Silva aqui o transcrevemos:
Há uma lei de ferro na política portuguesa: quando um candidato lidera folgado uma disputa e o espaço para os adversários discutirem políticas é diminuto, surgirá um tema, mesmo que absurdo, para o enlamear. Seria fastidioso enumerar exemplos dos vários quadrantes políticos e não necessariamente com origem partidária. Desta feita calhou a Fernando Medina. Não surpreende: é um político em armação, capaz de alargar além do seu espaço partidário de origem e que se distingue por conjugar qualidades executivas com uma imagem de seriedade.
Quando se lê as acusações que lhe são imputadas a propósito da compra de uma casa, não se chega a perceber exatamente o que está em causa. Por vezes é sugerido que vendeu por um preço muito alto, outras que comprou por um valor muito baixo e outras ainda que é estranho que tenha recursos para comprar uma casa por 600 mil euros. Num daqueles delírios próprios de quem vive numa bolha de ressentimento e nem sequer é capaz de perceber dinâmicas sociais básicas, há quem se espante por entre os seus vizinhos se contarem uns quantos ex-políticos e só quem nunca comprou uma casa através de uma imobiliária pode ficar surpreendido com o desconhecimento da identidade do vendedor. Quanto a tudo isto, as respostas dadas por Medina são esclarecedoras e se pecam é por irem longe de mais na revelação de pormenores familiares que, numa sociedade decente, devem permanecer na esfera íntima. Aparentemente, o escrutínio democrático obriga a doses significativas de voyeurismo.
Talvez passe por aí o principal efeito deste tipo de casos. Mais dia menos dia, ninguém no seu perfeito juízo e com vidas probas estará disponível para desempenhar cargos políticos. Não falta muito para que a política que entregue a uma mão-cheia de pessoas que nunca teriam vida pública fora dos partidos ou que desempenham cargos políticos apenas para se servirem.
Mas vale a pena perceber por que razão uma notícia que, à partida, era uma não-história se tornou num caso.
Em qualquer democracia liberal é comum que na comunicação social se escrevam as maiores barbaridades. Faz parte dos custos de uma sociedade aberta e, com as redes sociais, a tendência até se intensificou. A questão não é essa. O que importa perceber é a razão para a notícia ter ganho tração.
A resposta está na combinação entre a ação de um Ministério Público que, incapaz de definir prioridades, abre inquéritos por tudo e por nada, num dispêndio de recursos incompreensível, e, fundamental num campo socialista, um caso Sócrates que torna outras acusações verosimeis. Aliás, talvez esse seja o principal legado do ex-primeiro-ministro: inviabilizou qualquer discussão sobre a forma como péssimo jornalismo e uma ação, no mínimo, sem critério do Ministério Público se coligam com efeitos devastadores para a democracia portuguesa. Talvez o caso Medina não seja, afinal, assim tão estranho.
Sem comentários:
Enviar um comentário