quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Paulatinamente

Há uns anos tive como moda pessoal o uso da palavra «paulatinamente», que usava a propósito e a despropósito com invulgar regularidade.
Instado cá em casa a mudar de disco, arrumei-a no sótão das coisas vetustas, até dela agora me lembrar a propósito do percurso cumprido por António Costa nestas sucessivas semanas de governação.
É que paulatinamente ele lá vai levando a água ao seu moinho, depois de terem sido tantos os que lhe tinham vaticinado a morte política na noite de 4 de outubro.
Confirmando ser um dos mais argutos políticos da sua geração, ele tem obrigado uns quantos críticos ora a meterem a viola no saco e a desaparecerem do horizonte (é o caso dos cada vez mais esquecidos “seguristas”), ora a serem constantemente desmentidos pela realidade.
Quem não se lembra do carácter de irreversibilidade decretado por uns quantos a propósito da privatização da TAP? Então, quando Neelman ou Pedrosa julgaram falar forte para assim o corroborarem, foi vê-los estremecerem de gáudio por darem por derrotada a promessa da reversão da privatização da empresa. E, no entanto, passadas algumas semanas e reuniões, tudo se encaminha para uma solução consensualizada entre os acionistas privados e o governo para que o Estado recupere a maioria do capital da empresa.
Agora a moda é o forte apertão prometido pela Comissão Europeia ao esboço de orçamento a ser-lhe apresentado por estes dias.
Os «jornalistas» do costume, liderados pelo habitual tinhoso da SIC, já se comprazem com as dificuldades de Mário Centeno em conciliar as pressões de Bruxelas com as do PCP e do Bloco. Lá no íntimo já imaginam condenada esta assombração, que lhes tem causado insónias nas últimas semanas.
E, no entanto, em Cabo Verde, António Costa adotou o tom de um célebre slogan dos tempos da Revolução: «é difícil, mas é nossa!», mostrando confiança na exequibilidade do que alguns se atreveram a considerar como uma verdadeira «quadratura do círculo».
Desconfio, que muita gente continuará a ter de recorrer a fármacos para a azia durante muito tempo. É que até os mercados os estão continuamente a contradizer: quando já adivinhavam o êxodo dos “investidores”, assustados por nacionalizações e reversões de privatizações ou com elevadas perdas no Novo Banco, eis que o IGCP colocou mais bilhetes do Tesouro a seis e a doze meses do que os previstos. E os 1,8 mil milhões de euros obtidos no leilão foram vendidos a juro negativo, com uma procura muito superior à oferta.
Tudo aponta que os céticos deste modelo de governação, terão de render-se à incredulidade de não conseguirem ver traduzidos na realidade os seus mais secretos desejos.
Paulatinamente - e cá recorro de novo à proscrita palavra - António Costa vai vencendo obstáculos e desarmando adversários. Assim a economia internacional o ajude - não lhe pregando a partida que prejudicou José Sócrates - e teremos governo de esquerda por muito tempo.

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