Recentemente a médica Isabel do Carmo assinou no «Público» um artigo bastante interessante sobre o que poderá resultar do saldo da experiência governativa do Syriza. E, ao contrário, dos opinadores da direita, que já lançam foguetes pelo suposto sucesso da chantagem dos ideólogos do austericídio contra as pretensões dos eleitores helénicos, ela convida-nos, a nós homens e mulheres de esquerda, a não nos deixarmos acabrunhar pelo que vier a ocorrer. Porque, aconteça o que acontecer, ficou já sobejamente demonstrada a realidade colonial em que hoje os povos do sul da Europa se inserem, comandados pelas políticas e pelas instituições do Norte do continente:
“Na situação atual, a leitura da luta de classes não pode ser a da primeira e segunda revoluções industriais. As colónias fora da Europa desapareceram, mas nós, os países do Sul da Europa, somos as novas colónias dos países do Norte, perdemos a soberania e também temos por cá os seus representantes, os novos administradores de tabanca. Por isso seja o que for que suceda com a Grécia, o grito de rebelião da sua população e do Syriza foi uma vitória. Havia outro caminho?”
E, muito embora, ela nos avise da importância de nos não deixarmos limitar por uma análise da luta das classes tal qual poderia ser feita no tempo de Marx, a realidade é que a dialética entre interesses opostos, sem sinais de convergência possível, só podem suscitar futuras batalhas, que não se cingirão a uma momentânea derrota.
Aquilo que Thomas Piketty veio enunciar perante os espectadores da sua Conferência na Gulbenkian é cada vez mais inquestionável: o mundo está a assistir a um agravamento imparável das desigualdades entre os que tudo têm e os que mal conseguem sobreviver. A obscenidade dos contrastes entre as festas glomourosas de uns e o desespero cada vez mais violento de multidões enfurecidas promete desencadear situações, que nem os mais numerosos e bem artilhados polícias de choque poderão travar.
Os socialistas e os sociais-democratas desejarão que a inflexão desta tendência ocorra antes de assistirmos a explosões de indignação incontroláveis. Mas, quando a direita em geral, e os líderes da União Europeia em particular, insistem na sua cegueira ideológica, poderemos temer o pior. E é com tal alerta que Isabel do Carmo conclui a sua interessante análise: “Enquanto isto, as proezas geoestratégicas dos países “ocidentais” (estão a ocidente de quê? O mundo é redondo) transformaram o Médio Oriente e o Mediterrâneo num novo holocausto. As desigualdades agravam-se como demonstra Piketty e claro que os desiguais de cima estão dispostos a todas as crueldades para aí se manterem. Tudo isto parece ser a implosão do sistema, mas antes de acabar muito sangue e sofrimento fará correr. Parafraseando o poeta Manuel Pina, “ainda não é o fim, calma, é apenas um pouco tarde”.
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