A meio da tarde estive a ver um documentário sobre o crime ecológico atualmente em curso no Estado de Alberta no Canadá, onde a exploração de areias betuminosas destruiu florestas primárias do tipo boreal e contaminou os veios freáticos de que as tribos índias se servem para as suas necessidades mais básicas.
Parecia tudo resumir-se a mais uma demonstração das consequências ambientais suscitadas pela ganância capitalista, quando surgiu uma personagem que me ficou na memória para o resto do dia: uma engenheira incumbida de gerir as bacias de decantação das areias já subtraídas do seu combustível e de garantir a reposição da natureza nas zonas já devastadas de forma a “repô-las no seu aspeto original”.
Durante uns minutos acompanhamo-la numa das suas visitas de rotina para elaborar um relatório da área contaminada por que é responsável. Ouvimo-la, assim, pedir ao operador de câmara para que evitasse captar imagens do ribeiro, que inspecionava e cuja “boa saúde” vertia para relatório dando-o como a fluir normalmente e sem grandes sinais de poluição. Exatamente o contrário do que testemunhávamos.
Nessa altura foi-me fácil concluir, que estava ali uma émula de passos coelho: a realidade entrava-lhe pelos olhos adentro, mas o que dizia ou inseria no relatório era o seu exato contrário.
O desemprego volta a crescer, enquanto as exportações estagnam? O que é isso para passos coelho? Nos seus discursos mais recentes, e nos que multiplicará até às eleições, não deixará de pintar o país como um cenário cor-de-rosa, que só ele quer ver.
Horas depois sentei-me no anfiteatro do Teatro Mário Viegas para ver «Falta uma Peça», da autoria de Nuno Costa Santos, Susana Romana e André Teodósio, com quatro jovens atores da geração, que o mesmo passos coelho mandou sair da “zona de conforto” e procurar emprego fora daqui.
O tema da representação veio ao encontro da minha profunda admiração por um estrato etário da população portuguesa, que tem sido castigada pela criminosa governação da direita e que, mesmo assim, demonstra uma enorme capacidade de resiliência.
Uma personagem histórica como passos coelho acabará por merecer mais do que a nota de rodapé em que ficarão registados os anos de cavaquismo. É que passos coelho será recordado pela decisão de ter sido cúmplice das políticas de salvação dos bancos alemães e franceses, resgatados pela troika que mandou treansitar os custos para os contribuintes, não hesitando em correr do país com a geração na qual o país investira milhões de euros para a dotar com as competências e os conhecimentos necessários ao salto em frente visionado por José Sócrates.
Durante hora e meia vemos quatro jovens a darem tratos à cabeça para levarem a peito o desafio a que se propuseram - criar uma peça teatral passível de se tornar viral, mesmo condicionados pelos mil e um trabalhos complementares em que têm de ir assegurando a sua sobrevivência.
O estado a que chegou o país nesta altura deveria ser suficiente para fazer de passos o vilão maior da fita de terror em que se viram mergulhados os portugueses. O que não é o caso, já que a boa imprensa dominada por gente afeta ao PSD tem conseguido conferir injustificada credibilidade ao que diz. O que leva Pedro Adão Silva a crismá-lo de homem desconcertante na sua crónica semanal no «Expresso»: “É como se todos lhe dessem um desconto e lhe fossem permitidos devaneios discursivos incoerentes e um comportamento errático e singular”.
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