Um dos mais brilhantes filmes de Akira Kurosawa é da sua última fase e chama-se «Kagemusha».
Resumindo-o brevemente temos um clã japonês, cujo chefe respeitado morre subitamente. Ora era ele quem inspirava um enorme temor nos vizinhos, que desejariam tomar-lhe o território. Por isso, em pânico, os cortesãos arranjam um duplo suficientemente credível para que não haja a mínima dúvida quanto à preservação da relação de forças existente. Ele só terá que imitar o antigo líder, não tomando qualquer decisão.
Irá ser esse o crasso erro do chefe por substituição: quando as circunstâncias o forçam a tomar uma decisão, que será a de atacar um dos seus beligerantes, o clã precipitar-se-á na derrota definitiva.
Podemos atermo-nos a este exemplo para verificar o estado das coisas na atual União Europeia. Os líderes europeus viram rebentar a crise do subprime nos EUA e andaram feitos baratas tontas a experimentar alternativas, que lhes evitassem os efeitos das ondas de choque.
Quando os habituais detratores de José Sócrates o acusam de precipitar o país para os braços da troika querem intencionalmente ignorar o quanto essa fase de forte investimento público teve origem nas orientações de Bruxelas para que a crise não viesse incidir na zona euro.
Desde então, e por efeito dos sucessivos castelos de cartas, que começaram a cair, primeiro na Islândia, depois na Irlanda e na Grécia, e enfim em Portugal, na Espanha e em Chipre, os eurocratas sentem-se como esse duplo que ousando tomar uma decisão, terá optado pela menos avisada.
Desde então decidiram assumir uma atitude absurdamente contrária, defendendo como solução a receita neoliberal prescrita pelo FMI e pelo BCE, ambos recheados de gente vinda da banca especulativa e das universidades mais entusiasmadas com as teses de hayek e friedman.
Por isso, como se tivessem visto o filme de Kurosawa, esses eurocratas não querem sair do guião em que se julgam sentir confortáveis. As circunstâncias até vão demonstrando como essa incapacidade para saírem do «pensamento único» só vai anunciando a morte da União Europeia a médio prazo. Mas metem a cabeça na areia e recusam-se a olhar para a realidade.
Ousar novas soluções como as que propõem Paul Krugman ou Joseph Stiglitz, secundando as propostas do Syriza, não lhes passa pela cabeça. Não é só paralisado das pernas que um schäuble, aparente guru de muitos desses eurocratas, se revela: é, sobretudo, na mente que essa paralisia se sente.
Julgam-se kagemushas e não arriscam estratégias proactivas, temendo que o céu lhes tombe sobre a cabeça. É por isso que, por razões opostas, tudo farão para boicotar as estratégias de david cameron ou Alexis Tsipras. Porque estão atemorizados com os efeitos de qualquer mudança, seja ela a saída do Reino Unido da União, seja o abandono das receitas austeritárias.
Os eurocratas de Bruxelas são um corpo balofo e cheio de artroses, que já chegaram ao fim do seu prazo de validade. Por isso ou novos dirigentes tomam conta das políticas dos respetivos países e forçam uma verdadeira revolução nas estruturas europeias ou elas afundar-se-ão por efeito da sua inércia de absurdo repouso.
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