No
editorial do «Nouvel Observateur» da semana transata o respetivo diretor,
Laurent Joffrin, comenta a condenação de três das cantoras do grupo punk Pussy
Riot e aborda uma questão pertinente nos tempos que correm: começam a existir
demasiados países aonde existem aparentes instituições democráticas, mas que
escondem uma realidade ditatorial traduzida em sérios entraves à liberdade de
imprensa, de expressão ou, mesmo, de atividade política.
Os exemplos são muitos e vão da Rússia de Poutine à Turquia
de Erdogan, sem esquecer Singapura - que Passos Coelho já revelou admirar! - ou
os países do Magreb saídos das supostas Primaveras árabes.
Joffrin designa esses regimes como «democraturas», já que
contém uma componente de democracia e outra de ditadura.
Escreve ele: considerados geralmente como regimes de
transição para a democracia, as democraturas poderão vir a instalar-se
duradouramente na paisagem internacional. Baseadas na economia de mercado não
sofrem as taras das economias inteiramente coletivizadas; praticando uma
repressão cruel e restrita escapam à rejeição universal a que se sujeitam as
ditaduras tradicionais como as da Síria ou da Coreia do Norte; alcançando
grandes sucessos tecnológicos e económicos falam agora de igual para igual com
as antigas democracias acossadas pela crise financeira e pela estagnação.
Eficazes, voluntaristas, financeiramente prósperas,
graças ao seu mercantilismo, baseadas em valores ao mesmo tempo populistas e
conservadores, podem oferecer às nossas democracias uma alternativa perigosa e
credível.
Até mesmo nas democracias elas têm os seus defensores.
Os capitalistas já veem nelas um eldorado sob controle favorável aos
investimentos estrangeiros; os conservadores são seduzidos pela estabilidade
política e pelo seu apelo aos valores tradicionais.
Embora o não explicite o advento de forças de extrema-direita
um pouco por toda a Europa já comporta esta atração pelas democraturas,
porquanto assentam na base de apoio a esse tipo de regimes musculados em que
qualquer irreverência mais perigosa recebe uma punição semelhante à das
cantoras russas.
É por isso que a esquerda tem de enfrentar sem tibiezas esta
atração dos eleitorados confusos por formas de populismo conducentes a este
tipo de solução. Conclui Joffrin: longe de serem dominados pela guerra
contra o terrorismo, pela luta contra o islamismo ou pelo choque de
civilizações, os anos vindouros poderão ser os de confronto cada vez mais tenso
entre democracias e democraturas, substituindo a antiga guerra fria entre as
democracias e o comunismo. Por esta razão a reação mole dos governos europeus
face às iniquidades poutinianas não revela apenas uma enorme cobardia. Traduz
sobretudo uma cegueira estratégica.
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