Será que Passos Coelho começa a ter a verdadeira
dimensão do repúdio que os portugueses manifestam pelas suas políticas? É que
já passaram dias a mais sobre as tenebrosas declarações de António Borges a
Judite de Sousa para só agora vir falar sobre o assunto, não propriamente para
desmentir os propósitos então expressados, mas para classificar de histéricas
as opiniões subsequentes.
É claro que ele e Relvas ainda
julgam possível limitar os danos do escândalo ao alimentarem o «Correio da
Manhã» com manchetes vergonhosas, ao esperarem que o Crespo da SIC ainda seja
ouvido nas suas atoardas ou que o anão da Trofa vá esganiçando a voz na proposta
para demitir a administração da RTP.
O futuro da liberdade de expressão
em Portugal passa pelo que acontecer à televisão pública e a esquerda não pode
tergiversar sobre o que com ela ocorrer. Porque António José Seguro não pode
iludir-nos nem iludir-se com a eventual reversibilidade do negócio: concluído
ele é todo o património cultural ligado à RTP enquanto veículo de expressão da
democracia, que fica posto em causa. Comentava Nuno Ramos de Almeida no i a
respeito das supostas reformas de Passos & Cª que o problema com este
governo não é o da irreversibilidade das reformas que estão erradas, é o da
irreversibilidade dos negócios que dão ao desbarato o património de muitas
gerações de portugueses. Para este governo, os negócios são eternos.
Na sua deriva descontrolada para as
formas mais selvagens do criminoso sistema capitalista pode vir a ser muito
danoso para a maioria dos cidadãos a entorse civilizacional, que está a ser
tentada, como lembra Baptista Bastos no Diário de Notícias: A mística do
neoliberalismo, perante um mundo sem pátria e de pensamento único, tem como
objetivo o domínio pela obediência, pela submissão e pelo medo. O papel do sr.
António Borges é o de um factotum desprovido de toda a singularidade. Em causa
estão a grande crise de valores de que enferma a nossa época e a supremacia da
finança sobre a diversidade civilizacional. Alegremente, caminhamos para o
desconhecido, sabendo-se, de antemão, pelo que resulta da experiência, a
configuração da catástrofe.
De todos os lados há vozes a
clamarem por uma reação indignada e modelar contra este estado das coisas tendo
em conta o quanto elas nos empurram para o abismo: os portugueses fizeram da
troika o seu John Wayne. Pensaram que a sua chegada, com um Governo novo,
chegaria para controlar o disparatado défice e o monstruoso Estado. Só que, na
pistola, a troika apenas tinha uma munição: a paz em troca da desvalorização
salarial. Os portugueses, na ruína, dobraram-se e tornaram-se um aluno
perfeito. A ilusão está a dissipar-se. A política John Wayne, a continuar desta
forma cega, arrisca-se a tornar o povoado não num lugar de paz mas num deserto
de almas penadas, acorrentadas a impostos diz Fernando Sobral no Negócios.
E o mais greve nisto tudo é que o
apocalipse anda a ser anunciado por fontes diversas, que até não acreditam nas
mistificações do calendário maia. É que já não bastam os governos e os
especuladores financeiros a quererem assassinar pela fome, pela miséria e pelo
empurrão para o suicídio dos marginalizados do sistema e é toda a sociedade
global a destruir ecossistemas fragilizados para explorar jazidas de petróleo
em terrenos xistosos, madeiras em florestas dizimadas ou para atulhar de lixo
os oceanos do planeta. Escrevia há dias Mário Vieira de Carvalho no Público: nada
define melhor a época em que vivemos do que a extrema contradição entre o grau
de conhecimento que os humanos adquiriram sobre si próprios, a natureza, a
sociedade, o mundo, o cosmos, e a pulsão de suicídio de que estão possessos. O
fim da espécie humana é algo que já não se coloca como hipótese longínqua, mas
sim como certeza que se torna cada vez mais próxima no nosso horizonte
histórico. A continuar esta desvairada corrida para a catástrofe, fica em
aberto apenas um de dois desfechos: ou os humanos liquidam a natureza,
liquidando-se do mesmo passo a si próprios; ou a natureza se salva á custa do
autogenocídio da espécie humana.
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