quinta-feira, 16 de agosto de 2012

POLÍTICA: A mistificação em torno da austeridade


A crónica de Jean-Claude Guillebaud no «Nouvel Observateur» da semana transata é muito interessante pela forma sintética como explica a situação complicada em que se vê o cidadão ocidental, acossado por forças que são tão eficazes, quanto subtis na forma de o submeterem ao seu diktat.
Para chegar a conclusões, o colunista apresenta alguns exemplos lapidares, mesmo que já razoavelmente conhecidos:
· a tesouraria dissimulada das empresas norte-americanas no estrangeiro destinada a escapar ao fisco representa 1000 biliões de dólares. Ou seja, uma verba muito superior à necessária para resolver a crise da zona euro!
· diariamente são transacionados 4 biliões de barris de petróleo. Ora, tendo em conta que a produção mundial quotidiana não ultrapassa os 90 milhões de barris, isso significa que cada um deles é comprado e vendido por especuladores 44 vezes antes de chegar ao comprador final. Criando-se assim imensas fortunas através desse jogo especulativo.
Estamos, pois, submetidos a uma verdadeira pirataria financeira, que se socorre dos paraísos fiscais, da banca oculta (shadow banking), da manipulação das cotações da bolsa, da pilhagem dos produtos alimentares e de milhentas outras formas de «otimização fiscal».
Constata Guillebaud: cada cidadão sente-se literalmente esmagado ou sobrevoado pelo peso de um aparelho de dominação face ao qual as garantias democráticas não servem de grande coisa. Coexistem, aliás, duas figurações da verdade: a teatral e predicatória dirigida ao cidadão, e a outra, a verdadeira, a séria, destinada aos iniciados de uma minúscula oligarquia.
Daí que se torne escandaloso o discurso de tantos comentadores, que se lamentam dos constrangimentos das dívidas soberanas. E que repetem á exaustão a mistificação segundo a qual os povos europeus viveram a crédito nos últimos trinta anos, como se fossem as cigarras da fábula.
Segundo esse discurso mentiroso tais povos ter-se-iam locupletado com as riquezas alheias e os governos temerosos permitiram-lhes cavar uma dívida colossal.
E quase nos fazem verter lágrimas comovidas por esses pobres aforradores do Milwaukee ou de Salt Lake City, agora atemorizados perante a possibilidade de não serem ressarcidos dos juros aprazados pela dinâmica dos mercados.
É graças a este tipo de manipulação das opiniões públicas, que os poderes ocultos estão a privatizar as riquezas coletivas, a eliminarem todos os vestígios de Estado Social e a transferirem para todos os contribuintes os custos do sorvedouro com que vão aumentando as suas já obscenas contas bancárias. Através da idolatrada «austeridade».
Vive-se uma pilhagem à escala planetária perpetrada por piratas de colarinho branco, que invocam as insondáveis «regras» dos mercados financeiros.
Torna-se, pois, urgente dinamitar essa nova ordem, que tanta infelicidade está a causar à grande maioria da população terrestre para proveito de uma reduzida oligarquia de privilegiados.
Na prática constatam-se, uma vez mais, as condições profetizadas por Karl Marx para o advento de uma nova sociedade mais justa e igualitária: quando a diferença entre os muito ricos e os muito pobres se torna tão abissal, surgirá naturalmente a revolta, que virará todo este desequilíbrio social do avesso.
E, nessa altura, talvez não sirva de muito aos mais piedosos clamarem pelos excessos dos desvalidos: é que esse devir nada tem a ver com um convite para jantar!

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