No «Expresso» de sábado transato, Miguel
Sousa Tavares continua a emitir opiniões ainda tidas por minoritárias perante
uma plêiade de comentadores enfeudados às doutrinas neoliberais, mas cada vez
mais presentes em quem não se aceita como corifeu de uma realidade
insuportável.
Não se tratando de
nenhum perigoso marxista-leninista não deixa de ser curiosa a forma como ele
descreve a realidade política atual: o processo ideológico de desforra do
capital contra o trabalho, conhecido por ajustamento da economia portuguesa, e
que consiste fundamentalmente na promoção deliberada do desemprego e na sua
desregulação social como forma de embaratecimento do custo do trabalho, não é
afinal suficiente e não produziu os efeitos desejados.
Os resultados estão,
infelizmente, à vista: longe de nos termos tornado mais competitivos,
tornámo-nos 10% menos competitivos em termos de custos sociais do trabalho.
Temos, pois, um mistério
singular: as equações económicas no papel de acordo com a visão primária dos
gurus de Chicago e de Stanford pareciam matematicamente tão certinhas e dão
afinal resultados tão contrários ao expectável?
Acusa Miguel Sousa
Tavares: mais um mistério criado por esta brilhante geração de economistas e
de ideólogos da economia, que nos trouxeram até onde estamos. E, se eles não
sabem e não conseguem explicar onde está a origem do problema, sabem qual é a
solução: baixar ainda mais os salários e deixar crescer ainda mais o número de
desempregados, como forma de pressionar em baixa o valor do trabalho
contratado.
Vemos, assim, a
persistência no erro, a crença insensata em como há que prosseguir na mesma via
de embater estupidamente contra a realidade dos factos na esperança de a ver,
enfim, coadunar-se com as promessas eleitorais com que enganaram o incauto
eleitorado.
Conclui Miguel Sousa
Tavares: quando eu estudei economia (…) Keynes ou J.F. Galbraith explicavam
que uma economia com uma taxa de desemprego de 20% era necessariamente uma
economia falhada de um país falhado. Hoje dizem-nos que é uma economia em
processo de ajustamento…
***
Na mesma edição do
«Expresso», Cristina Figueiredo recorda como, há um ano atrás, Vítor Gaspar
denegrira habilidosamente a herança de José Sócrates e agora vê o feitiço
virar-se contra o feiticeiro:
Três mil milhões
de euros de derrapagem orçamental, um défice que, no final do ano, deve ficar
bem além dos 5%. Qual boomerang, o «desvio colossal» de há um ano volta ao
remetente…
***
Embora o texto em si não
tenha grande novidade - a não ser pelos palavrões que nele se inserem - o
libelo de Juan José Millas publicado no «El Pais» só demonstra como vai
crescendo a frente de intelectuais decididos a participarem no esforço de
cidadania de combate ao capital financeiro.
Ora as lutas contra a
injustiça começam por ser quase sempre a dos intelectuais apostados em a
denunciarem.
Diz o escritor espanhol:
a economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo
clássico. Precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a
nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma
que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua
pistola no rabo do sequestrado.
A comparação mais exata
do texto de Millás é essa entre os especuladores financeiros e os terroristas.
E entre ambos os mais letais não serão propriamente os seguidores dos autores
dos atentados de 11 de Setembro: se formos a avaliar a quantidade de vítimas
dos atos de uns e de outros, facilmente concluímos não haver comparação entre
os milhares que uns mataram nos seus voos suicidas às Torres Gémeas com os
milhões, que morrem de desespero, de fome, de miséria, de impossibilidade em
cumprirem os seus mais legítimos sonhos enquanto seres humanos.
Saddam ou Bin Laden eram
tenebrosos, mas os donos de Wall Street ou da City londrina não o são menos… e
têm entre nós fidelíssimos discípulos...
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