Há filmes que começam por não suscitar grandes expetativas nas primeiras cenas, mas capazes de se tornarem deveras interessantes tão só as surpresas neles se vão sucedendo.
«Piquenique» (ou «Pesca Desportiva» no seu título romeno) é um exemplo lapidar dessa evidência, tratando-se de obra justificadora da atenção a dedicar à futura obra do seu realizador, Adrian Sitaru.
À partida temos um casal, que vai passar o domingo num piquenique ao ar livre. Ele, Mihai, é professor de matemática e acaba de se demitir por não estar de acordo com a política da diretora da sua escola a respeito das notas a atribuir aos seus alunos, que ele deprecia. Ela, Mihaela, vive a dúvida de estar a proceder corretamente, já que continua casada com Florin, e não sente verdadeira satisfação sexual com este seu amante de há um ano a esta parte.
No primeiro quarto de hora vemos o tempo instável, a pobreza das ruas e estradas, que percorrem, invadidas de prostitutas.
A novidade é, por ora, a forma como a câmara assume o olhar de um ou de outro, o que significa têrmo-los alternadamente a dialogar diretamente connosco como se fossemos o parceiro de passeio.
Mas a mudança acontece quando atropelam uma dessas raparigas postadas à beira da estrada e a julgam morta. Já a estão a abandonar numa floresta, discutindo sobre a justeza ou não de tal ato, quando ela acorda do seu torpor e, ainda meio tonta, lhes pede para acompanhá-los no seu programa dominical.
O que se segue é um conjunto de diálogos a três, mas sobretudo a dois, já que no sítio aonde estacionam, Mihai vai pôr-se a pescar no rio (ainda que decidido a devolver-lhe eventualmente os peixes dele conseguidos!) enquanto Miha fica sentada na manta aonde tinham piquenicado.
Ana (ou Violeta, como lhe chama um cliente, que também por ali aparece) será, assim, a confidente das dúvidas e ansiedades do casal desavindo.
Testando a fidelidade de um ou de outro, ou o quanto estão verdadeiramente apostados num projeto de vida em comum.
Percebe-se, então, que ela ou qualquer dos outros personagens por ali surgidos (o cliente, o guarda-florestal) mais não são do que espelhos aonde a consciência de Mihaela e de Mihai se irá refletir e definir.
Quando o filme acaba, as desavenças acabaram, eles conseguem fazer amor dentro do carro e partir decididos, ele a voltar à escola e ela a rescindir os laços com o marido. E Ana já poderá voltar a fazer-se “atropelar” por outro condutor a contas com decisões difíceis...
Sem comentários:
Enviar um comentário