Se a Itália nunca conseguiu reconquistar o imenso império que os Romanos conseguiram possuir graças à eficácia das suas legiões, soube encontrar outros meios, mais pacíficos para partir ao assalto da Europa.
A Ópera, que inventa no início do século XVII faz parte desse arsenal artístico capaz de provocar a completa rendição de toda a Europa.
Seja florentina, romana, mas sobretudo veneziana e, um pouco mais tarde, napolitana, essa arte qye conjuga numa mesma alquimia sublime o verbo, a música e as imagens vai estar presente em todas as cortes e teatros de França, da Alemanha, da Áustria e da Inglaterra nos séculos XVII e XVIII.
Mesmo quando não são italianos os músicos adotam a língua de Dante, só surgindo alguns resistentes em França (com Lully e, depois, com Rameau) ou em Inglaterra (com Purcell).
Será preciso chegar ao século XIX para que Gluck e Mozart lancem as bases da ópera do século XIX sem, porém, rejeitarem a herança italiana.
Com Weber ou Wagner na Alemanha, com Glinka ou Moussorgski na Rússia, com Berlioz, Gounod e Bizet em França, com Smetana ou Dvořák na Boémia, mas também com Rossini, Donizetti ou Verdi na Itália, o século XIX é o da internacionalização da ópera. De facto, um século de ouro que vê esta arte deixar as margens da história da música para se dirigir para o lado da História.
A ópera, de início reservada aos aristocratas, depressa se tornou uma arte popular, refletindo a evolução social dos três séculos anteriores.
Mas tudo começa com a união de um rei francês com a filha de um grande duque da Toscânia. Os cronistas estão de acordo em conferir a «Euridice» de Jacopo Peri, baseado num libreto de Ottavio Rinuccini, o título de «primeira ópera da História da Música».
O acontecimento ocorreu em 6 de outubro de 1600 no palácio Pitti em Florença, quando Henrique IV e Maria de Medicis casam por procuração.
Um século depois da morte de Lourenço, o Magnífico, a orgulhosa capital dos Medicis inaugurava uma forma de criatividade que aliava a poesia à música na pátria de Dante Alighieri.
Cidade em permanente representação, Florença parecia predestinada para permitir o aparecimento da ópera.
Com a assinatura de Peri e de Rinuccini já tinha havido uma «Dafne» representada durante três anos de seguida durante os carnavais a partir de 1597 ou 1598. Só sobreviveu o poema, já que os pequenos fragmentos musicais que chegaram até nós não permitiram classificar esta obra como a de estreia na arte líric.
Contudo a ópera não apareceu por geração espontânea e é preciso quase recuar um quarto de século para lhe encontrar os primórdios.
A partir de 1576 poetas, músicos e outros intelectuais integram uma tertúlia em casa de Giovanni de bardi, conde de Vernio (1534-1612), mecenas, escritor e também compositor.
Esse cenáculo frequentado nomeadamente por Emilio de Cavalieri (1550-1602), Girolamo Mei (1519-1594), Piero Strozzi (1550-1609), Ottavio Rinuccini (1562-1621), Giulio Caccini (1551-1618), Vincenzo Galilei (1520-1591 e pai de Galileu), apaixona-se por todos os domínios do conhecimento e das artes desde a poesia à astrologia.
Contudo a Camerata Bardi (também conhecida por Camerata Florentina) preocupa-se essencialmente por reformar a música. Trata-se, pois, de um laboratório criativo apostado em criticar o contraponto polifónico como se encontrava nos madrigais ou nos motetes.
No manifesto da monodia, o Dialogo della musica antica et della moderna , de 1581, Vincenzo Galilei propõe regressar à tragédia grega porque só as composições monódicas poderiam ser suscetíveis de expressar os sentimentos de um texto com verosimilhança.
Nas décadas entre 1570 e 1590 os músicos e os poetas ca Camerata Bardi põem em prática o que acreditam ser um regresso às influências antigas, reduzindo as peças polifónicas e inserindo-as em intermédios cómicos.
Giovanni Bardi é obrigado a sair de Florença em 1592 e a sua tertúlia muda-se para a casa de outro mecenas: Jacopo Corsi (1561-1602). Foi aí que a «Dafne» de Peri e de Rinuccini terá sido representada por três vezes. Realizada naquilo que designam por stile rappresentativo, que mais não era do que uma declamação cantada, esta obra depressa fez escola: em fevereiro de 1600, Cavalieri apresenta em Roma a sua «Rappresentazione di anima et di corpo», que costuma ser considerada o primeiro oratório da história da música.
Baseado num libreto de Agostino Manni esta obra terá sido estreada na Igreja de Santa maria della Valicella e apresenta diversos personagens: a Alma, o Corpo, a Inteligência, a Sabedoria, o Tempo, o Prazer, o Anjo da Guarda, a Vida do Mundo, o Mundo, a Alma Bem Aventurada, a Alma Condenada e o Eco.
Tratam-se, pois, de personagens abstratos ilustrativos de um objetivo moral de acordo com uma espiritualidade simples e aberta. A tal ponto que uma encenação do final dos anos 70 do século XX em Heidelberga apresentava as forças do mal vestidas com uniformes SS.
Ela começa com um cântico de louvor a deus na forma de um madrigal. Segue-se um longo prólogo falado durante o qual dois jovens discutem quanto os mortais vivem mergulhados na ilusão.
Os três atos deste oratório, que dura quase hora e meia são alegorias ainda muito aproximadas ás representações medievais.
No primeiro ato o Tempo comenta a mutabilidade das coisas humanas. A Inteligência lembra como o espírito humano nunca está satisfeito. E o ato conclui-se com o coro a lembrar que só o céu nos dá forças para ultrapassar os obstáculos que nos metem sempre em perigo.
No segundo ato temos o conflito entre o Mundo e a Sabedoria, o Prazer a seduzir o Corpo mas com a Alma a intrometer-se para o reorientar para os supostos verdadeiros deleites: os da vida celestial.
E o ato III corresponde à contemplação do que acontece com a Alma depois da morte.
Alguns meses depois, a «Euridice» de Peri é representada primeiro, mesmo que editada depois da de Giulio Caccini, composta e impressa em 1601, baseada no mesmo libreto.
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