sexta-feira, 3 de agosto de 2012

As bonanças que se seguirão às grandes tempestades


Regressando a um artigo de Fernando Sobral já aqui abordado («A Revolução está nas Ruas?», Jornal de Negócios, 28 de Outubro de 2011), mas que mantém a sua pertinência após quase um ano desde a sua publicação, abordemos a questão da possibilidade de a Europa se salvar mediante a sua federalização.
Segundo o autor em causa é quase impossível, que isso venha alguma vez a ocorrer:
A Europa é uma junção de culturas próprias que nunca se integrarão. As nações-Estado são fortes.
Nem sempre foi assim. Antes de 1492 a Europa era um conjunto de pequenas nações que lutavam pela sobrevivência. Mas algo fez mudar o seu destino: a navegação em águas profundas tornou-a o centro de todo o sistema internacional de comércio e de cultura. Os rios tornaram-se estradas de contacto, o oceano ficou de portas abertas para um novo tipo de comércio. Os países europeus conquistaram impérios. Mais riqueza tornou possível mais tecnologia e cultura.
A Europa tornou-se imensamente rica. Mas se mostrou a sua força militar fora de portas, internamente a Europa continuou à mercê de conflitos sem fim. A Grã-Bretanha nunca fez efetivamente parte da Europa. Nem a Armada espanhola, nem Napoleão, nem os nazis a conseguiram subjugar.
Não deixa de ser singular esta tese que relaciona a improbabilidade de uns Estados Unidos da Europa em função dos Descobrimentos do século XVI. Poderá até nem ter nada a ver, mas assim formulada esta teoria até se revela bastante atraente. Mesmo que, mais adiante, Fernando Sobral se atenha a razões bem mais prosaicas para fundamentar essa improbabilidade: O conceito de união europeia é de que o desenvolvimento e o bem-estar não necessitariam de sacrifícios. Isso hoje está em causa. Consenso é uma palavra difícil de dizer. (…)
Napoleão dizia: “só há duas forças que unem os homens: o medo e o interesse.” O medo gera contágio. E quando o medo choca com os interesses, o desastre adivinha-se. Há um receio que a eventual quebra da União Europeia e do euro reforce os emergentes nacionalismos que divida, novamente a Europa entre o norte e o sul.
Confesso que a leitura dos textos deste colunista me deixa sempre na ambiguidade entre a sua inegável erudição e um posicionamento ideológico pouco esclarecedor. No entanto, quando advoga o crepúsculo do Estado Social tal qual o conhecemos nas últimas décadas, existe aqui uma tendência não assumida para a direita, sobretudo quando dobra a finados pelo modelo social e económico responsável pelo bem estar de amplas camadas populacionais europeias nos últimos cinquenta anos:
A crise das dívidas soberanas destapou (…) a derrota final, em termos económicos e ideológicos, do Estado Social, como foi criado após a II Guerra Mundial.
A velha batalha de Hayek e Keynes, típica da década de 1930, regressou quase como farsa. A importância dos cortes e da austeridade não é só económica: é política e ideológica. Aparentemente recria a essência dos partidos conservadores e liberais. Distinguindo-os, assim, dos partidos socialistas. Algo que, no essencial, já vinha sendo difícil de fazer, porque os partidos socialistas, depois da implementação da «Terceira Via» pelo New Labour de Tony Blair, se tinham tornado gestores do Estado e da economia, dispensando promover alterações radicais.
É claro que, hoje em dia, para os socialistas europeus a linha política seguida pelos trabalhistas ingleses foi extremamente nefasta. Porque correspondeu à ideia política de manter exatamente as coisas tal como eram em termos de organização capitalista da sociedade, apenas promovendo as formas de a tornar mais eficiente.
Não é por acaso que a crise económica desalojou os socialistas do poder da maioria dos países, substituindo-os por conservadores ou liberais. A crise financeira foi transformada na crise do “welfare state”. O Estado vai encolher. A classe média está a encolher.
As alterações radicais de que acima se falam são, agora, um imperativo para os socialistas, que têm o dever de retomar a sua matriz original de pugnarem por uma sociedade mais justa e igualitária. E, perante tantas receitas falhadas por parte do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, parece lógico asseverar que a inflexão da crise atual só se iniciará com iniciativas totalmente em dissonância com as ainda vigentes sob a ditadura da troika. Deverá, pois, caber aos socialistas a liderança desse movimento de tipo novo, que enjeite a anterior expetativa de os ver convertidos a gestores mais competentes da organização capitalista, direcionando-a para um futuro mais alinhado com a aspiração global de um mundo mais justo, equilibrado e ecologicamente sustentável…
É aqui que devemos traçar uma linha bem demarcada de separação entre o que deverá ser o futuro próximo e o panorama sombrio desenhado por Fernando Sobral e outros comentadores para quem a própria democracia deixará de fazer sentido: Resta saber se, com tanto corte na faixa central da sociedade, a democracia sobreviverá. Mas isso não enjeita o essencial: o desencanto dos europeus com o seu sistema político e com as ideias velhas que parecem pratos requentados. Os cortes estão a servir como suporte do modelo que eventualmente substituirá o Estado social na cada vez mais velha Europa. Mas, ao retirar a segurança aos seus eleitores, a classe política está também a andar sobre o precipício. 
E, mais adiante, ele próprio não exclui a possibilidade de uma revolução tão súbita e surpreendente nos seus contornos como as verificadas nos últimos duzentos anos. Sem referir, por exemplo, o exemplo lapidar do Maio 68 em França despoletado como faísca em pradaria, dias depois do «Le Monde» intitular a capa com a falsa constatação de que imperava o tédio.
Estaremos à beira de uma revolução como em 1848? Há algum tempo um historiador escrevia: “No início de 1848 ninguém acreditava que a revolução estava iminente”.
As ruas voltaram a ser ocupadas em datas de tensão económica e social: 1917, 1921, 1968. Como pano de fundo de todos esses movimentos populares esteve sempre o desconforto social e o rebentar da pressão contida.
Um estudo da OCDE, publicado em Maio, mostrava que a tradicional pouca desigualdade de países como a Dinamarca, a Suécia e a Alemanha está também a desaparecer.
O fosso está a alargar-se em toda a parte.
Em suma: estão a semear-se ventos, que prenunciam grandes tempestades. Que poderão trazer no bojo estimulantes bonanças...

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