Quando os dogmas do catolicismo conheceram a sua máxima expressão enquanto verdades absolutas, o espaço era tido como uma realidade finita: existiam as coisas terrestres e, acima delas, o julgamento de quanto elas se coadunavam com os preceitos papais sendo como tal ajuizáveis no Além.
Blaise Pascal vem pôr em questão essa construção conceptual ao considerar que o espaço é o infinito compreensível. E se havia infinito negava-se a possibilidade da existência de um Além. O que dava razão a um Giordano Bruno, que fora condenado pela Inquisição por negar esse mesmo conceito de transcendência.
O Iluminismo vinha, pois, contestar a ideia de um mundo enquanto estrutura fechada, mesmo se a ideia de infinito pressupõe pararmos algures nesse espaço ilimitado para aí definirmos algumas fronteiras. É que, sem elas, o espaço não consegue ser entendido como existente e, como tal superável…
Não existe, pois, qualquer coincidência entre a ideia de espaço e a de vazio. O espaço está repleto de matéria. Por muito que seja o nosso olhar aquele que hierarquiza o observável nos limites em que ele é tangível.
É por isso que a ideia de espaço - que implicitamente temos aqui situado num âmbito astronómico - se concerte com a de perspetiva, de acordo com a sua descoberta na pintura renascentista depois de um longo processo de maturação criativa. Através dessa gradação da representação de acordo com linhas demonstrativas da maior ou menor distância ao ponto de observação, os artistas davam substância a essa ideia de infinitude...
«A Santa Conversa ou a Madona das Sombras», quadro de Fra Angelico do século XV, constitui uma das obras mais antigas a ensaiar tal perceção do espaço, tanto mais moderna quanto por baixo desse fresco surgem mármores involuntariamente associáveis ao que viria a ser o expressionismo abstrato.
E não deixa de ser curioso como num texto sobre as conceções filosóficas do espaço acabamos por fazer convergir duas versões de uma suposta abóbada celestial, cada uma representando uma forma diversa de esplendor.
Como se torna igualmente singular o paradoxo de a ciência através da teoria da relatividade vir a recolocar a possibilidade dessa mesma finitude do espaço, mesmo pensando-o como indissociável do tempo. Ou de como outra forma de representação do espaço terrestre - as cartas geográficas - tiveram objetivos militares já que se destinavam a preparar as estratégias belicistas de quem as encomendavam...
(texto decorrente de um dos programas de filosofia de Raphael Enthoven no canal ARTE)
Sem comentários:
Enviar um comentário