É um desafio pessoal para os próximos meses e com reflexos nestas páginas: abordar a obra de um dos escritores portugueses do século XX mais injustamente esquecidos - José Rodrigues Miguéis.
Nascido em 1901, filho de um porteiro e de uma costureira de Alfama, desperta bem cedo para os ideais republicanos por influência do progenitor e pelos acontecimentos que marcam os seus verdes anos: o regicídio quando tem 7 anos, a implantação da República quando conta 9 e a 1ª Grande Guerra quando já está matriculado no Liceu Camões.
É das trincheiras da Flandres, que regressa incólume o irmão mais velho, que morrerá de súbita peritonite nos seus braços, quando só tinha 23 anos.
O jovem José Rodrigues Miguéis estuda então Direito ao mesmo tempo que passa a escrever e a desenhar para o «Diário de Notícias» e o «Ilustração Portuguesa». Já então se revelam os seus talentos multidisciplinares: pintura, canto, escrita…
Aos 22 anos tem uma rubrica regular no «República» - «Poeira da Rua» - e, no ano seguinte, publica o seu conto «O Milagre de Joane» na «Seara Nova».
Na época ele está bastante identificado com os valores do grupo de intelectuais, que anima esta última revista, embora o golpe do 28 de Maio o vá deles dissociar-se por diferir na forma de combater a nova ditadura militar. António Sérgio chega a apodá-lo de «bolchevique».
Insatisfeito com a situação no país consegue uma bolsa para a Bélgica para aí se licenciar em Ciências Pedagógicas pela Universidade de Bruxelas.
Regressado a Lisboa em 1932 mantém a colaboração com a «República» e ganha um importante prémio literário com «Páscoa feliz».
Mas Lisboa torna-se-lhe um espaço claustrofóbico, tanto mais que a polícia política o vigia por o saber próximo do Partido Comunista.
Na iminência de ver-se proibido de publicar o que quer que fosse, parte para os EUA aonde tem à espera Camila com quem se irá casar.
Os primeiros tempos em Nova Iorque são, porém, difíceis: não consegue emprego e limita-se a militar no Partido Comunista dos EUA, integrando as fileiras dos principais apoiantes dos Republicanos espanhóis, chegando a discursar para vinte mil pessoas num comício do Madison Square Garden.
Em 1942 naturaliza-se norte-americano e torna-se responsável pela edição brasileira das Seleções do Reader’s Digest. Mas, esse que será o seu emprego mais estável, é interrompido, quando quase morre devido a uma inflamação do cerebelo. Na precisa altura em que é editado no Brasil o seu volume de contos «Onde a Noite se Acaba».
A doença decide-o, porém, a apostar na carreira de escritor, que antevê possível em Portugal aonde regressa por pouco tempo, tanto mais que logo é preso. Vale-lhe a sua nova nacionalidade para ser libertado com ordem de expulsão.
Regressado ao outro lado do Atlântico e, extremamente saudoso da cidade natal, escreve «Saudades para Dona Genciana» (1956) em que a apresenta como espaço mítico, mas também de grande solidão e angústia.
Nova tentativa de regresso a Portugal só lhe servirá para receber o Prémio Camilo Castelo Branco para o seu «Leah e outras Histórias», que ficará envolto em polémica, porque os literatos do regime apressam-se a condenar que se entregue tal galardão a um escritor ...estrangeiro.
Regressado de vez à sua pátria de adoção sente cada vez mais Portugal como o da sua infância e adolescência, dissociando-se do que ele se tornará na década de 60 e de inícios de 70.
O 25 de Abril entusiasma-o, quando contava já na sua bibliografia com livros tão determinantes como o foram «O Milagre Segundo Salomé» e «Escola do Paraíso». Mas depressa lhe desagrada o clima de caos social subsequente à Revolução, sentindo-se demasiado cansado e doente para intervir como gostaria. É que, morrendo em 1980, ele sentia-se um jovem aprisionado num corpo que, entretanto envelhecera…
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