As televisões já sublinharam devidamente o facto, mas nunca será demais realça-lo: ao escolher para ministros só golpistas brancos e homens, Michel Temer demonstrou à saciedade o quão retrógrado é o seu governo. Não admira que as tempestades se avolumem no dia-a-dia, como aconteceu com o grande agrário colocado à frente da pasta da Educação, a que fica igualmente agregada a Cultura, e que foi recebido com apupos dos funcionários, que irá “gerir”.
Que sentirão os milhões de brasileiros miscigenados pelas mais variadas origens a olharem para aqueles ministros do tipo «branco mais branco não há»? Que sentirá toda a metade do céu, que via em Dilma uma das suas, e agora só encontra como modelo de mulher brasileira a vistosa loura, que Temer apresenta como primeira dama e tem idade para ser sua neta?
Quero crer que, nesse imaginário coletivo, bem mais influente do que se quer às vezes minimizar, essa dessincronia da imagem do governo com a do povo, que supostamente quer representar, não funciona, não cria empatia. E as intenções de despedimento de funcionários públicos ou de auditorias aos programas sociais, que mais não serão do que alibis para os eliminar, perspetiva uma inflexão alucinada a toda a dinâmica, que permitira a milhões de brasileiros saírem da miséria.
Às vezes há males que só se curam com remédios difíceis de tragar. Veja-se como foi preciso constatar o sofrimento dos portugueses durante quatro anos para que a esquerda portuguesa tenha vencido preconceitos de décadas e sabido conjugar-se numa convergência de vontades e de políticas, que deveria ser imitada por toda a Europa, a começar pelos nossos vizinhos ibéricos.
É por isso que as esquerdas latino-americanas, que revelaram tanta incompetência para impor a sua agenda, tornando-a efetivamente popular, e desativar os focos de contestação da direita elitista e ultraconservadora, têm de passar por este transe, que as levou a perder o controle do poder na Argentina, no Peru, no Brasil e, muito provavelmente, na Venezuela daqui a nada. Terão de aprender nas difíceis lutas dos próximos meses e anos como vencer uma direita não menos artrítica, cuja resposta para as crises continua a ser aquela, que já rebentou pelas costuras um pouco por todo o lado. E por isso mesmo condenada a usar comportamentos políticos e policiais de crescente ilegitimidade.
Por toda a América situada do lado de lá do Equador será tempo de intensa luta de classes, essa realidade cuja existência os senhores do poder gostariam de negar, mas ganha condições materiais para se manifestar na sua expressão mais intensa. Julgando-se temporariamente vitoriosos do golpe contra Dilma, Temer e os seus cúmplices facilmente tremerão com as greves, as manifestações e outras expressões de protesto, que os aguardarão nos tempos que virão.
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