A revolta da Marinha Grande contra o regime salazarista verificou-se há precisamente oitenta anos. E, no entanto, passou-se o dia e não encontrei qualquer referência a ela apesar de ter sido resgatada do olvido no livro de estreia de Ana Margarida de Carvalho - «Que Importa a Fúria do Mar» - há pouco mais de um ano.
Compreende-se esse esquecimento?
É verdade que os sobreviventes, anos a fio a animaram reportagens televisivas com as memórias do que haviam vivido, já não estão entre nós. Mas essa revolta constituiu um dos momentos culminantes da rejeição do fascismo pelas nossas classes operárias que procuraram responder-lhe com a instauração de um soviete na capital do vidro.
Analisada a posteriori essa tentativa contava com pouquíssimas possibilidades de sucesso apesar das fragilidades ainda então evidentes no poder detido por Carmona e por Salazar. Os revolucionários empreenderam um esforço quixotesco, que pagaram com a prisão e a morte no Tarrafal e noutras prisões do regime.
Ainda assim poderemos sempre pôr a História a voltar para trás e interrogarmo-nos sobre o quanto de diferente teria sido a nossa vida se, em vez de derrotada, a revolta tivesse conhecido um inesperado sucesso? Ademais com uma Espanha aqui ao lado em plena ebulição republicana!
É claro que, com o fascismo a singrar um pouco por toda a Europa, as utopias ibéricas estariam condenadas ao fracasso. Mas pode-se sempre sonhar ainda um pouco mais e pensar na possibilidade de ter morrido no ovo a serpente, que emergira em Berlim no ano anterior. Quem apostaria numa progressão tão avassaladora do capitalismo selvagem e no definhamento da utopia comunista?
A História não conhece trilhos definitivos. Às vezes, por condicionalismos inesperados, toma outros, que a conduzem a destinos completamente diferentes dos previstos. Ora, foi o que poderia ter acontecido há oitenta anos e por isso mesmo valeria a pena ter sido lembrado.
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