Desde o terrível assassinato dos cartoonistas do «Charlie Hebdo», que a questão é objeto de debates em todos os jornais, rádios e televisões: como evitar a repetição deste tipo de crimes? Como evitar a deriva terrorista dos jovens nascidos e criados nas democracias ocidentais e fascinados pela visão distorcida do Corão?
A extrema-direita francesa tratou logo de cavalgar a onda dos acontecimentos propondo a reposição da pena de morte e acabando com o espaço Schengen, como se os assassinos tivessem vindo de outro país, que não aquele onde cometeram os crimes.
Mas torna-se inevitável encontrar numerosos oportunistas sempre que alguma tragédia se produza: na manifestação de hoje em Paris também comparecerá o ditador Erdogan, que tem perseguido caricaturistas e limitado seriamente a liberdade de expressão na Turquia. E, no entanto, ei-lo a desfilar a partir da Place de la Republique para homenagear os valores, que espezinha todos os dias no seu país!
Na sua coluna semanal no «Expresso» Pedro Santos Guerreiro refuta esse tipo de histeria: Fechamos as fronteiras? Fechamo-nos em casa? A resposta mais difícil está nas raízes do que leva jovens à loucura de matar, ao terrorismo. Não é deixando de fora como num gueto que ficamos cá dentro como num condomínio. Isso não existe. E se existisse, quereríamos?
Quer marine le pen, quer a maioria dos comentadores ouvidos por estes dias, “esquecem-se” do essencial: o caldo cultural, que fez dos irmãos Kouachi aquilo que foram nos seus trinta e poucos anos de vida foi a guetização onde sempre viveram ou a discrepância absoluta entre tudo quanto a sociedade à sua volta “oferecia” como produtos aliciantes sem jamais conseguirem o bastante para os adquirir. Uma das causas primeiras do fascínio exercido pelo islamismo radical junto de muitos jovens ocidentais tem a ver com o facto de lhes oferecerem um caminho possível de realização pessoal negado pela sociedade onde vivem.
Tendo por expectativas o desemprego e a miséria sem depararem com uma luzinha mesmo ténue ao fundo do túnel, eles agarram-se a quem lhes promete paraísos recheados de virgens com que possam satisfazer as frustrações sexuais.
No fundo é o capitalismo selvagem que, com as suas obscenas desigualdades e injustiças, lavra os campos para a sementeira dos ódios sectários.
Por isso mesmo, e apesar de ter sido causticada por relacionar os crimes do Charlie Hebdo com a austeridade, Ana Gomes tem alguma razão quando aponta a pauperização progressiva de camadas significativas da população como o terreno propício para novos atentados…
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