Numa das sessões desta semana de apresentação da sua Moção ao Congresso, António Costa foi surpreendido com as questões de alguns militantes, que se queixavam da importância conferida à qualificação dos portugueses, nomeadamente dos que aspiram a diplomar-se no Ensino Superior.
- Já estou farto de ouvir falar dos diplomados! - dizia um.
- Estamos a passar diplomas para cursos que depois não garantem emprego! - reclamava outro.
- Eu dirigi centenas de homens e nunca precisei de um canudo ! - orgulhava-se outro.
As afirmações em causa provinham de pessoas de respeitáveis cabelos brancos e muitas rugas, mas a quem a idade não parecia ter proporcionado a devida sabedoria. É que tais argumentos coincidiam com a prática do governo de direita apostado em desqualificar os portugueses e com a ofensa da senhora merkel, quando considerou existirem licenciados a mais no nosso país.
Por isso mesmo e até para permitir um aligeiramento momentâneo da sessão, António Costa recordou uma experiência que tivera nos finais dos anos noventa, quando era ministro da Justiça e visitara as instalações de um Tribunal em Santa Comba Dão para aí verificar o andamento da então informatização administrativa. Dera então com um funcionário de proveta idade, que olhava desconfiado para o computador e dizia com a sua ponta de orgulho:
- Eu nunca irei tocar nisso! - e apontando para uma máquina de escrever junto à sua secretária acrescentava com a mesma prosápia - e naquela também não!
Quer isto dizer que há dezena e meia de anos ainda havia quem, nas instituições d Estado, considerava normal que o trabalho fosse feito unicamente com canetas.
Quando o próximo primeiro-ministro de Portugal contou isto, eu também recordei um professor que me deu aulas numa das pós-graduações que tirei no ISCTE/INDEG. Logo na primeira aula ele contava a sua experiência pessoal: durante uns anos trabalhara numa instituição estatal, mas dela fora corrido logo que a maioria absoluta cavaquista atirou para o desemprego muitos dos licenciados, que se tinham tornado assessores e consultores durante a governação socialista.
Chefe de família desempregado, esse professor tivera grandes dificuldades em encontrar solução, porquanto canudos iguais ao seu abundavam na altura pelo mercado do trabalho.
Ele tomara então uma decisão, que partilhava connosco em forma de conselho: até ao fim da vida ativa (pelo menos) haveria sempre de estudar, de acrescentar currículo académico e sobretudo conhecimentos aos que já tinha. Porque, na sociedade do século XXI, quem não andar permanentemente atualizado, está condenado a ficar à margem no mercado do emprego.
Por isso mesmo António Costa reiterou a necessidade de contarmos com cidadãos extremamente qualificados e capazes de se adaptarem até a ferramentas ainda inimagináveis, mas que se tornarão imprescindíveis nas sociedades do futuro próximo.
Valerá ainda a pena dar mais um exemplo e que é o de uma das mais conhecidas instituições bancárias a nível internacional.
Ainda há escassos anos, quando aí tinha um familiar a trabalhar em Londres, no seu departamento de análises de mercados financeiros, estavam um violinista, um historiador, uma engenheira biológica e outros profissionais com formação académica aparentemente sem ligação imediata com o que estavam a fazer. Mas a lógica dessa grande instituição bancária é cristalina: se só ali estivessem economistas a análise seria sempre a mesma, sem qualquer variante em relação à produzida por qualquer outra instituição concorrente. Ao recorrer a licenciados de outras áreas, todos com um brilhante QI, sabia-os capazes de uma abordagem bem mais alargada e com potencial para abarcar as muitas contingências em que os mercados financeiros são férteis mas às quais, como reconhece uma clássica pilhéria sobre economistas, estes só depois as conseguem explicar muito bem embora não as tenham previsto chegar.
Quem pode pois dizer que existem demasiados licenciados dos cursos A ou B? Provavelmente será previsível que os vejamos a cumprir funções noutras áreas, que não as tradicionalmente as suas, mas onde sejam fundamentais os mecanismos de exercício da mente propiciados pela formação nos cursos superiores. Sem que essas funções sejam obviamente a de caixas nos supermercados ou de atendedores de chamadas em call centers!
Mas António Costa ainda atirou um tiro certeiro num dos erros mais crassos do ministro crato: a de ver no ensino alemão, vocacionado para garantir operários especializados para as suas indústrias, a solução mais tentadora para o que deverá ser o ensino em Portugal.
A pergunta de António Costa foi assassina: se o tipo de ensino proposto pela senhora merkel é tão bom, porque anda ela a precisar de tantos engenheiros que procura agora atrair dos países do sul, que tanto investiram para os formar?
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