Em 1997 estive várias semanas a viver em Xangai durante a docagem de um navio num dos estaleiros então ainda existentes em Pujong, o que me deu o ensejo de conhecer pessoas concretas e delas extrair uma noção menos padronizada do que era a China por essa altura. É que, por muito que sempre tivesse procurado conhecer o país de Mao Zedong por meio de diversas fontes de informação, nada substituiria o privilégio de o ver ali nas margens do rio Huangpu.
Uma dessas pessoas com quem falei foi uma mulher de uns trinta e tal anos, que era a dona da empresa de remoção de águas poluídas e de entulho causado pela reparação do navio. Foi com ela, enquanto bebíamos um café na messe dos oficiais, que abordei a questão do “filho único”, então muito em voga por constituir um dos pilares das reformas lançadas por Deng Xiaoping.
Para a minha interlocutora essa obrigatoriedade em ter apenas um filho era inquestionável por tratar-se de uma das principais regras a cumprir para que a China se viesse a tornar num país próspero e desenvolvido. Esse anseio estava na boca de muitas outras pessoas com quem falava diariamente e espelhado na palavra-de-ordem gigantesca colocada na porta principal do estaleiro.
Impressionou-me a veemência da sua convicção, que a entendi com a mesma atitude dos pais ou dos avós, que teriam andado em campanhas políticas com o livrinho vermelho na mão sem saberem que a descendente iria, enquanto empresária, representar o exato oposto do que tinham defendido. E por isso não duvidei que fosse acatada pela maioria dos muitos milhões de chineses, então em idade fértil. Mas, como na China, tudo adquire dimensão significativa, as exceções também transformam-se num autêntico bico-de-obra. Como é o caso dos heihaizis, que a sociedade continua a ignorar como se se não tratasse de assunto de particular acuidade. E que obrigará o governo chinês a, mais cedo ou mais tarde, a fazer-lhes justiça...
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