domingo, 2 de novembro de 2014

Como as multinacionais andam a querer maximizar os seus lucros

Nesta altura a União Europeia e os Estados Unidos andam a discutir quase em segredo um novo tratado intitulado Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento, TTIP, que comporta sérios perigos para os Estados europeus, porquanto atiçados na sua gula pelo crescimento do comércio internacional inerente a essa nova realidade, poderão vir a sofrer sérios engulhos nalguns dos pressupostos pretendidos pela delegação norte-americana: que sejam tribunais arbitrais a decidirem os conflitos entre as multinacionais e os países onde a sua atividade possa ser condicionada pelas respetivas legislações. Para a Quercus e a Oikos a futura Parceria “reduzirá substancialmente os padrões europeus de defesa do consumidor, de defesa do ambiente e da natureza, da segurança e soberania alimentares, dos direitos laborais e sindicais, dos direitos à privacidade e liberdade  de utilização da Internet”.
E Marisa Matias dá outro exemplo eloquente: “Com base nesta garantia de proteção, pode passar a ser impossível, por exemplo, aumentar o salário mínimo, porque uma empresa pode alegar que fez o investimento em Portugal porque os salários são baixos”.
Mas é a insuspeita revista «The Economist» a sintetizar melhor o espírito dessa suposta proteção ao investimento das multinacionais, tão carinhosamente reivindicada pelo nosso secretário de Estado bruno maçães e mais treze colegas de outros tantos governos da União Europeia, que para tal subscreveram um documento a elogiar-lhe as virtudes: “Se a intenção é convencer o público de que os acordos internacionais de comércio são uma forma de enriquecer as multinacionais à custa dos cidadãos comuns, eis o que deve ser feito: dar um direito especial às empresas para recorrerem a um tribunal secreto, gerido por advogados extremamente bem pagos pelas empresas, para pedir compensações sempre que um Governo aprova uma lei que, por assim dizer, desencoraja o fumo, protege o ambiente ou previne uma catástrofe nuclear.”
Deixaria, pois, de fazer sentido qualquer independência legislativa, já que as multinacionais sempre imporiam a que lhes fosse mais benéfica!
Num interessante artigo do «Público», o jornalista Paulo Pena dá exemplos de situações concretas já em curso onde funcionam acordos desse tipo:
· Após o acidente na central nuclear japonesa de Fukushima, o Governo de Angela Merkel decidiu fechar as suas centrais. Duas delas eram geridas pela Vattenfall, que exige agora uma indemnização de 3,7 mil milhões de euros.
· outro dos casos mais emblemáticos envolvendo este tipo de arbitragem é o que opõe a empresa americana Lone Pine Resources Inc. ao estado canadiano do Quebeque. Aquele estado decidiu aprovar, em 2011, uma moratória para impedir a exploração de gás natural obtido pelo método, ambientalmente agressivo, da “fracturação hidráulica”. A companhia americana tinha uma licença de exploração. E, ao abrigo da cláusula ISDS do tratado NAFTA (Acordo de comércio livre da América do Norte), exige agora ao Canadá uma indemnização de 250 milhões de dólares, mesmo sem ter iniciado a laboração.
· Em Dezembro de 2011, o Parlamento australiano aprovou legislação que obriga os fabricantes de cigarros a incluir imagens chocantes nos pacotes, como forma de prevenção do tabagismo. A multinacional americana [Philip Morris], através da sua filial de Hong Kong, apresentou uma queixa, invocando “expropriação ilegítima” por Camberra dos seus investimentos, à luz de uma cláusula ISDS que consta de um acordo comercial entre aquela cidade-Estado chinesa e a Austrália.
· A mesma Phillip Morris deu início, em 2010, a um processo semelhante, contra o Uruguai. A queixa é a mesma: leis “pouco razoáveis” que põem em causa o investimento e a expectativa de lucros. O que varia é a jurisdição. Desta vez a companhia usou a sua filial na Suíça, e um tratado comercial entre Berna e Montevideu.


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