(a propósito do documentário «Ucrânia, um país em estado de urgência» de
Martin Jabs, Martin Striegel e Jan Lorentzen, 2014)
E se o futuro da Ucrânia dependesse menos do confronto entre as milícias pró-russas e nacionalistas do que do papel desempenhado pelos oligarcas?
A Ucrânia já há muito que deixou de ser o celeiro da Europa. para se converter num mercado com 45 milhões de habitantes e um território estrategicamente crucial pela sua posição central entre diversas rotas comerciais, nomeadamente relacionadas com o petróleo e o gás.
A antiga república soviética criou um sistema político dominado pelos oligarcas: são eles os proprietários dos bancos, dos jornais, das minas de carvão, das metalurgias, das plataformas petrolíferas. São eles quem financiam os partidos, senão mesmo decidem eles próprios enveredar pela política ativa para rentabilizarem as redes de conhecimentos baseadas no nepotismo e nas cumplicidades.
No Ocidente tendemos a considera-los como chefes mafiosos, quando alguns deles apenas se limitaram a aproveitar o vazio subsequente à implosão da URSS.
Hoje uma aproximação à União Europeia poderia pôr em causa esses impérios privados, já que se tenderiam a fazer funcionar o país pelas regras do Estado de Direito, mas também há, entre eles, quem veja a oportunidade para apostar em novos mercados, apoiando por isso a abertura a ocidente; mas os outros temem um perigo assinalável para os seus negócios e apoiam uma reaproximação à Rússia…
No meio de todo o caos entretanto instalado há também que contar com as organizações norte-americanas que, a coberto dos seus pretensos apoios à democratização da sociedade ucraniana, vão distribuindo cinco milhões de dólares de forma a comprarem apoiantes para os orientarem de acordo com os interesses geoestratégicos norte-americanos.
Para Olaf Jacobs, produtor do documentário, o objetivo era o de possibilitar uma abordagem tão lata quanto possível dessa complexidade, que tende a ser vista de forma maniqueísta por cada um dos blocos em disputa - o norte-americano e o da União Europeia (que podendo coincidir entre si não deixam de ter igualmente pontos de divergência) e o da Rússia de Putin. Por isso mesmo as equipas de filmagem andaram a recolher imagens quase até à véspera da sua apresentação no canal franco-alemão ARTE, porque essa realidade é tão dinâmica, que todos os dias se tende a alterar.
Corria-se o risco de ver o documentário transformar-se em mera reportagem, mas os realizadores preocuparam-se dar conta da explicação histórica do que tanto condiciona o presente: a importância da Ucrânia nos primórdios da criação da Rússia, o sacrifício de centenas de milhares de ucranianos contra o invasor nazi e o colaboracionismo de outros tantos, que viram neste último a possibilidade de se autonomizarem da União Soviética. Mas também a importância do porto de Sebastopol, na Crimeia, sem o qual a Rússia ficaria sem acesso ao Mediterrâneo, ou as pretensões imperialistas norte-americanas em isolarem ainda mais um inimigo com quem terão apenas contemporizado na época em que Boris Ieltsin superava em anticomunismo os mais tenazes guardiões dos interesses das oligarquias norte-americanas.
O filme dá a palavra a todos os atores do conflito desde os jovens nacionalistas ultrapolitizados até à gente vulgar, quer sejam trabalhadores ou mineiros das regiões industriais. Alguns sentem-se profundamente russos, outros totalmente aliciados pela Europa Ocidental.
Durante muitos anos ser russo ou ucraniano não tinha qualquer importância, hoje é totalmente determinante para definir a perspetiva sob que, internamente, se analisa o conflito...
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