Teresa de Sousa assinou um excelente texto na edição de domingo do «Público» intitulado «Os Socialistas Europeus de Rienzi a Costa» e em que considera pertinente atender a “uma nova geração de líderes de centro-esquerda mais abertos ao mundo em que vivemos.” Nomeadamente a Rienzi, o novo primeiro-ministro cujos primeiros meses de governação bastaram para suscitar o entusiasmo dos italianos e a assegurar a decadência do efémero sucesso do palhaço Grillo e das manhas de Berlusconi.
“Mas isso não o dispensa, nem a ele nem a Manuel Valls (uma escolha de Hollande que vai no mesmo sentido), nem a outros líderes europeus de centro-esquerda de encontrar um novo programa que consiga integrar a globalização económica e a emergência de um quadro competitivo mundial muitíssimo mais exigente. Caso contrário, continuará a ser a extrema-direita a capitalizar o descontentamento dos que são mais afetados pelas mudanças mundiais.”
É nesse enquadramento, que a jornalista aborda a atual disputa pela liderança do Partido Socialista onde dá por terminado o tempo de António José Seguro.
Nessa terceira parte do seu artigo, Teresa de Sousa merece ter reproduzido na íntegra o seu texto, tão eloquente ele se revela sobre o que está hoje em jogo no maior partido português.
A propósito do ainda secretário-geral ela diz que “já muita gente tinha percebido que não tinha condições para liderar o PS. A forma como encarou o desafio de Costa foi a prova definitiva. Um líder diria, pura e simplesmente, “vamos a isso”. Precisamente aquilo que ele teima em não dizer, invocando os estatutos a torto e a direito, enquanto os seus próximos se dedicam a uma campanha contra Costa que de decente ou de político não tem nada.”
Basta ter presentes as imagens dos que, provavelmente orquestrados por José Luís Carneiro - o «autor» do desastre autárquico no distrito do Porto - foram para a porta do edifício onde reuniu a Comissão nacional para vaiar António Costa e bater palmas a Seguro. Essa cena, que passou nas televisões é daquelas que se vira contra os seus promotores, porque dão da campanha de Seguro uma imagem trauliteira e fazem de António Costa o político com a elegância e a superioridade moral, que nunca se permite descer a manobras tão rasteiras!
Mas Teresa de Sousa continua a alinhar as razões porque António José Seguro já é um mero vulto na paisagem, incapaz de dela emergir como protagonista: “Por mais que o secretário-geral socialista eleve o tom de voz e faça cara de mau, não consegue mudar a ideia que as pessoas têm dele. O seu passado e o seu caminho para a liderança nunca saíram para a luz do dia. Nunca enfrentou um combate político a sério. Escudou-se no aparelho e nos estatutos. Quando se viu desafiado, mandou os seus próximos acusar Costa de traição, apresentando-o como vítima (o que não é propriamente a matéria de que se fazem os líderes) ou de ser o novo Sócrates. O problema é que isso já não colhe. Deixar o PS a desgastar-se numa luta interna sem qualquer propósito é um preço que não lhe será perdoado.”
E, de facto, depois destes meses, que nos distanciam da resolução definitiva deste confronto político, Seguro ficará com a sua imagem definitivamente manchada para que possa vir a ser considerado para o que quer que seja no futuro do Partido: um suposto líder que não ouve os mais proeminentes políticos socialistas - que constituem até a sua reserva moral - e, por interesse próprio, procura dilatar o mais possível o seu definitivo encontro com a irrelevância, só merecerá a expiação a que a indignação de milhares de militantes lhe imporão.
Para Teresa de Sousa, António Costa limitou-se a fazer o que constituía um imperativo destas presentes circunstâncias: “Com a “derrota” das europeias, sabia que tinha o dever de se candidatar, sob pena de ficar com um problema de consciência para o resto da vida. Pode ganhar ou perder, que sobreviverá bem consigo próprio. Mas, de alguma maneira, já é o rosto da liderança do PS para as legislativas de 2015 e é já em função disso que a coligação que nos governa está a adaptar a sua agenda.”
O texto desarma a seguir o argumento dos seguristas segundo os quais, António Costa teria traído o ainda secretário-geral numa estratégia de vitimização, que também não costuma ser particularmente do agrado das idiossincrasias lusas: “Isto não é traição. É a vida normal de um partido político com responsabilidade de governo. Soares teve de lutar por duas vezes pelo PS em condições muito difíceis, utilizando todas as armas políticas de que dispunha: contra Manuel Serra e contra o ex-secretariado (Guterres, Constâncio, Sampaio, ou seja, a geração de luxo do PS) para manter a liderança. Venceu congressos com pouco mais de 60 por cento dos votos. Muitas vezes, teve de forçar a entrada nas sedes concelhias do PS para se fazer ouvir. Sampaio viu Guterres tirar-lhe o tapete com imensa calma, porque achava que podia ser um líder melhor. A política e não os estatutos era a questão central.”
Embora o não afirme a autora do artigo é bem explícita no desprezo que lhe merecem os argumentos dos que apoiam Seguro: “ninguém pode verdadeiramente liderar o PS a partir de estatutos que ele próprio forjou para garantir a sua sobrevivência, e, muito menos, ninguém pode ser líder do PS relegando para o estatuto de inimigo o anterior primeiro-ministro socialista e dizendo, sem se rir, que Mário Soares é um militante como outro qualquer.”
A forma desrespeitosa como Seguro e os seus colaboradores mais próximos têm referenciado o fundador do Partido tem sido, aliás, bem reveladora da sua idoneidade moral. Não será esquecido pelos militantes aquele indigente deputado pró-segurista que quis mandar calar Mário Soares numa tentativa fútil: se nem a PIDE o conseguira, era agora um néscio qualquer quem produziria tal resultado!
A concluir o seu texto, Teresa de Sousa lamenta o espetáculo a que a teimosia de Seguro obrigará os portugueses a assistir durante vários meses: “Mas não haverá grandes dúvidas quanto aos resultados. Os holofotes já se viraram para Costa, por boas e por más razões. Tudo lhe vai ser exigido, quando ele não poderá fazer tudo. Mas a sua presença vai mudar as regras do jogo político e vai tornar o debate um pouco mais respirável. Tem a força suficiente para não precisar de falar alto e, sobretudo, para conseguir estabelecer compromissos. É, de resto, essa força que lhe permite construir pontes para muitos lados sem perder as suas convicções. Não vale a pena pedir-lhe um longo programa com 100 medidas e 50 reformas porque não é isso, hoje, o essencial. O que se quer dele é que apresente um discurso que seja ao mesmo tempo realista e mobilizador, que tenha uma visão de médio prazo para o país e que vá buscar onde deve as contribuições políticas de que precisa. Tem vida para lá da vitória ou da derrota. E isso também lhe dá uma grande liberdade de espírito que, obviamente, não agrada particularmente a muitos socialistas. Também ele vai precisar de pensar “europeu” e de ajudar a encontrar uma fórmula que dê sentido à social-democracia na era da globalização. Não é o “messias” como agora lhe chamam para poder cobrar mais tarde a ausência de milagres. Mas consegue chegar às pessoas e pode mobilizar, se quiser, o que há de mais moderno e mais aberto da sociedade portuguesa. Por mérito próprio e por demérito alheio. É isso o fundamental.”
Estão assim explicadas as muitas e boas razões porque os militantes e socialistas vão estar bastante mobilizados durante as próximas semanas para impedir que o Partido seja definitivamente usurpado por quem não merece ter ascendido às funções que ainda desempenham. Com os lamentáveis resultados, que se viram nas autárquicas e nas europeias...
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