As recentes eleições norte-americanas mostraram o quão dividido está o país, entre gerações, entre classes sociais, entre o cosmopolitismo das cidades e os preconceitos de quem vive nas vastidões rurais. Com um Trump a (não) servir de mediador entre tantas contradições, existem dúvidas quanto ao que poderá resultar de tal barril de pólvora. Socorremo-nos, por isso mesmo de Sylvie Laurent, a professora francesa, que leciona nas universidades de Stanford e de Harvard, e consegue ter uma visão distanciada e objetiva do ambiente onde encontrou realização profissional.
Em recente entrevista ao «L’Obs» ela considera que o sobressalto democrático gerado por esta eleição voltou a despertar o fantasma secessionista, que continua a assombrar o país. Apesar de ter acabado há século e meio o rancor dos confederados, então derrotados, continua latente. Mas, uma vez verificado este choque deplorável, ganha relevância o desejo de reapropriação da política.
As últimas décadas, marcadas pela lógica neoliberal, despolitizou as questões sociais e pôs termo à ilusão na suposta existência de uma democracia representativa, de facto espoliada pela deriva plutocrática.
“É irónico e trágico, mas Trump, criatura Frankenstein da época neoliberal, persuadiu 60 milhões de americanos de que poderiam, através de si, recuperar a soberania. A paixão democrática que suscitou, mais da ordem do movimento de massas do que do grito do povo, é inegável. Este movimento visceral não deixa de ser racional, porque importa compreender e dar resposta à sua misteriosa tensão.”
Ao elegerem Trump os americanos cuidaram de dançar sobre o vulcão, mas já surgem muitos dissidentes e progressistas a procurarem retirar conclusões desta inesperada sucessão de acontecimentos para que emerja uma oposição determinada e consequente.
Catorze milhões de eleitores votaram em Bernie Sanders e o Partido Democrata parece disposto a redescobrir a sua esquerda através da combativa Elizabeth Warren.
As associações cívicas sentem-se confrontadas com forte desafio e os defensores das várias igualdades dizem-se prontos para a resistência civil.
Sylvie Laurent acredita que eatamos prestes a assistir a um despertar democrático do outro lado do Atlântico, com potencial para nos surpreender.
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