1. Ao princípio irritava, depois entediava, agora começa a ser confrangedora a imagem pública que Passos Coelho vai dando de si, semana após semana. O episódio deselegante para com Marcelo Rebelo de Sousa nos últimos dias e a afirmação deste fim de semana quanto a ter sido o único primeiro-ministro a recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos roçam o absurdo, põe-nos a perguntar se estamos mesmo a ouvir o que ele está a dizer.
Após revelar-se como a expressão eloquente do princípio de Peter em como conseguiu chegar ao patamar da sua manifesta incompetência, o presidente do PSD é o tosco general aprisionado no seu labirinto: sentindo a solidão de já não haver - entre os seus idolatrados amigos empresários - quem lhe venha a dar a mão, agita-se à toa nos sucessivos becos em que se vai enredando sem vislumbrar saída para a persistente sensação de se ver humilhado.
2. Ganha crescente consenso a ideia de vivermos uma solução governativa para os quatro anos, tendo em conta o apoio do eleitorado expresso em sondagens e a indigente oposição das direitas. Mas, para quem se identifica com a presente maioria, é insensato um excessivo otimismo, tendo em conta a enorme volubilidade da situação política internacional.
Se o referendo em Itália não correspondeu ao terramoto previsto por alguns, os resultados das eleições legislativas na Holanda e em França no primeiro semestre do ano poderão criar efeitos perversos, que tudo questione. A começar pela União Europeia e a sua moeda única, a culminar no imprevisível caos financeiro já previsível com as iniciativas de Donald Trump.
O que parece gorar-se enquanto narrativa dominante dos órgãos de in(de)formação é a ideia de António Costa andar ávido à procura da maioria absoluta para prescindir então dos seus parceiros de maioria. Quem o conhece sabe bem quanto os seus projetos políticos assentam no alargamento progressivo dos consensos a forças políticas adversárias, mas com as quais se possam desenvolver lógicas de consensualidade como as verificadas com o Bloco, o PCP e os Verdes.
Por isso mesmo bem podem esperar os aturdidos dirigentes das direitas pelo dia da rutura dentro da atual maioria, que melhor será ficarem sentados. É que, como na peça de Beckett, arriscam-se a nunca verem chegar aquilo que tanto anseiam...
3. Um dos mais interessantes jornalistas norte-americanos - Tom Friedman, acaba de publicar um ensaio sobre as três acelerações, que estamos a testemunhar historicamente nesta altura: a da globalização, a da tecnologia e a das alterações climáticas.
O problema dos populismos, que suscitaram a eleição de Trump e a súbita importância de vários movimentos de extrema-direita europeus é congregarem quem já não tem capacidade para acompanhar o ritmo dessas mudanças e quer desesperadamente travá-las. Por isso mesmo nos apoiantes do Brexit, nos eleitores de Trump, nos que votaram contra Renzi ou nos que idolatram Marine Le Pen, ouve-se amiúde o desejo de voltarem a ver os seus países regredirem no tempo e voltarem a ser aquilo que eram há três ou quatro décadas.
O problema é o tempo, efetivamente, não voltar para trás. E se o travam como agora está a suceder, o passo atrás será inevitavelmente seguido dos dois em frente. E é para eles que as esquerdas se deverão preparar.
Sofia Areal
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