Passaram hoje dois anos sobre a «prenda de Natal» recebida pelos cerca de dois mil e quinhentos trabalhadores da empresa inglesa City Link, que se viram despedidos de um dia para o outro.
Na altura ela era das principais distribuidoras de encomendadas online e tudo apontava para uma perdurabilidade suscitada pela inauguração de uma linha automática de triagem cujo investimento na investigação e construção aparentara uma aposta séria dos acionistas no seu futuro.
Entusiasmados os condutores, que distribuíam diariamente cerca de duas centenas de encomendas no contínuo vai-vem pelas ruas de toda a Grã-Bretanha, corriam aceleradamente entre a viatura e a porta da morada aprazada para conseguirem cumprir o rigoroso horário das entregas.
O fecho abrupto da City Link teve a ver com a caracterização dos seus proprietários: em vez de serem conhecedores do negócio e suas potencialidades eram meros investidores numa empresa financeira cujo único interesse era a maximização dos lucros para uma distribuição tão significativa quanto possível de dividendos.
Estava assim demonstrada o quão irracional é o capitalismo na sua versão mais selvagem, a de um neoliberalismo, que despreza as razões económicas e só se cinge às de foro financeiro.
Qual a importância de um resultado menos satisfatório se a inovadora linha de triagem tenderia a possibilitar uma maior capacidade de tratamento de encomendas em menor período de tempo?
Com a sua precipitada decisão esses acionistas nem sequer deram oportunidade a que o novo processo produtivo revelasse o seu potencial. E milhares de famílias viram-se, de súbito, privadas do seu ganha-pão.
Esta forma de capitalismo revela-se destrutiva e desigual: para que a ganância bolsista se realize, empobrecem-se os que só têm de seu o seu trabalho. E reduz-se inevitavelmente o volume do emprego disponível, criando-se um tipo de eleitorado eivado de raiva, facilmente seduzido pelas mentiras da extrema-direita. Voltam a fazer sentido as palavras de Hanna Arendt quando alertava para a capacidade de mobilização das ditaduras junto dos que não sabem distinguir os factos das ficções, privilegiando mais facilmente estas últimas se lhes soarem mais sedutoras.
A solução, ao contrário do que alguns propõem, não reside em abandonar a agenda das causas fraturantes, que pareceu predominar em certas esquerdas numa determinada altura (o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o direito a abortar, etc.), mas conjuga-las com um discurso incisivo de respostas efetivas a quem delas muito carece por ter um medo terrível de não aguentar com as ameaças do futuro.
Quando Passos Coelho adota esse discurso zangado em que prevê raios e coriscos está a mimetizar, mesmo que sem disso ter consciência, os discursos apocalíticos de Trump, Farage ou Marine Le Pen.
O problema das esquerdas, quer norte-americanas, quer europeias, tem sido o convencimento de lhe bastar um discurso racional, capaz de ser ouvido inteligentemente por aqueles que julga serem os seus eleitores. A verdade, e as últimas eleições e referendos têm-no demonstrado, é que os cidadãos andam sequiosos de discursos emotivos. Foi por compreender isso, que Marcelo usou a história dos afetos. Ora as esquerdas têm de aprender a demonstrar aos seus eleitores que, se precisamos das emoções, também temos de sabê-las criticar, quando irracionais, e sobretudo prejudiciais para quem parece tão lesto a comprar gato por lebre.
Paul Klee
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