1. A derrota de Matteo Renzi no referendo deste domingo vai possivelmente criar a oportunidade para confrontar mais um partido antissistema - o do palhaço Grillo - com a indigência das suas propostas políticas. Se, um pouco por toda a Europa, os eleitores manifestam a insatisfação por já não compreenderem o mundo em que vivem e abraçam as propostas mais simplistas, as organizações do tipo Movimento 5 Estrelas não conseguem sair da lógica de mero protesto. Não se lhes conhecem alternativas sérias para assegurar a governação do país, pois dão a entender que tudo decidirão através de sondagens à opinião pública.
O problema mais sério decorrente da atual situação é o seu aproveitamento por outras forças mais ideológicas e abertamente fascistas, cujas políticas signifiquem o abandono da participação política e a resignação a uma situação tida como inelutável.
A experiência portuguesa ocorrida entre 2011 e 2015 revela que um governo autocrático consegue tornar abúlicos os eleitores, convencendo-os de serem culpados dos seus próprios sofrimentos, e quase assassinar politicamente os adversários com recurso ao ministério público e à manipulação da informação, quase toda controlada nos jornais e televisões onde terá acautelado a colocação dos amigos nos cargos de decisão.
Quem julgava viável uma forte resposta social e política a eventuais vitórias fascistas bem pode tirar o cavalinho da chuva: o ovo da serpente tem de ser morto enquanto está a ser chocado, porque eclodindo pode já tornar-se demasiado tarde.
2. Sendo evidente que a atual crise das democracias europeias, confrontadas com os seus demónios da extrema-direita, tem origem na teimosia do sr. Schäuble em impor uma estratégia austeritária aos países do sul, logo agudizada pela crise dos refugiados criada pelos governos da França e da Alemanha, quando se mobilizaram para derrubar Bashar al-Assad, as circunstâncias andam a demonstrar a falta de inteligência dos líderes dos vários países, que preferem soluções típicas do “centrão” às da clara dissociação entre propostas tradicionais de direita e de esquerda.
Perante alternativas dentro do sistema os eleitores seriam tentados a optar por uma delas. Se elas se congregam numa só, irá aproveitar quem dos extremos as contestam. O uso e abuso da instituição referendo tem-se revelado nesse aspeto uma arma de dois gumes, quase sempre mortal para quem a usa, julgando-a ajustada para validar e consolidar o seu frágil poder.
É nesse sentido que ainda não estou totalmente convencido quanto a uma disputa entre Fillon e Marine Le Pen para saber quem substitui Hollande no Eliseu. É que, vindo da tendência mais à esquerda do PS, Montebourg poderá alavancar-se a partir de um triunfo nas primárias de janeiro para ser o candidato, que os iludidos eleitores da direita e da extrema-direita, consigam ouvir e o tomem como a proposta mais consistente para mudar os rumos da França.
Se as sondagens davam Alexander Van der Bellen na eleição austríaca e ele venceu, quem dirá que algo semelhante não irá ocorrer na Holanda ou em França contra os ultras tidos como favoritos?
3. Na sua crónica deste fim-de-semana no «Expresso» Daniel Oliveira constata que, na sua presente fase, o capitalismo já dispensa a Democracia, cujos mecanismos de escrutínio colidem com as lógicas anti-regulatórias pretendidas por quem domina Wall Street, a City ou as demais grandes bolsas mundiais.
Curiosamente os que andarem estes últimos dias a olhar para a grande cerimónia popular de despedida do Comandante Fidel, andam entretidos com fórmulas já sem qualquer sentido (“todas as ditaduras são iguais”, por exemplo) e ignoram que não tarda nada ver a luta política já não dominada pela dicotomia entre Democracia e ditadura, mas entre Capitalismo e Socialismo. Com o crepuscular sistema a significar abandono dos formalismos democráticos e o Socialismo a figurar como a derradeira bóia a que se podem agarrar todos os explorados deste mundo ainda demasiado marcado pelas desigualdades.
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