Regressado de algumas semanas passadas na Holanda leio a crónica de Francisco Louçã no «Público» e questiono até que ponto tem razão, quando nos diz rodeados de “mad dogs”. E alude à hipótese de, hoje mesmo, com a eleição presidencial na Áustria e o referendo na Itália, dois novos cães danados passarem a assombrar a nossa estabilidade já tão ameaçada por Trump, Erdogan, Orban & Cª.
Há, de facto, uma realidade a instalar-se mesmo em países outrora tidos como exemplares no respeito pelos Direitos Humanos. Em Haia pude constatar alguns sinais indiciadores do anunciado sucesso de Geert Wilders a primeiro-ministro nas eleições de março próximo: é a preferência por holandeses em empregos anteriormente preenchidos por estrangeiros, o responderem-nos na língua local quando nos dirigimos a alguém em inglês, ou a diferença de trato no supermercado, com as empregadas da caixa não europeias a mostrarem-se bem mais simpáticas do que as de alva tez.
Admito que o mesmo se passe nos países onde a ascensão das extremas-direitas tem conhecido uma evolução imparável. Mas, intimamente, tenho alguma expetativa quanto ao resultado a sair da eleição austríaca: será que um sobressalto democrático perante tudo quanto vem sucedendo nas últimas semanas, não levará todos quantos não se identificam com esses extremismos a irem votar em força no candidato dos Verdes?
A tal suceder poderemos entender que será provavelmente o primeiro sinal do refluxo de um fenómeno recorrente nas políticas europeias e norte-americanas do último século: regularmente surgem movimentos fascistas, que suscitam apoios em multidões e depois se esfumam, seja porque derrotados depois de guerras mortíferas, seja por depressa desiludirem quem neles terão confiado.
Já a derrota de Rienzi em Itália é mais do que merecida: pretender que um partido com 40% de votos consiga 54% dos deputados, poderia fazer algum sentido décadas atrás, mas não atualmente quando as extremas-direitas valem-se de discursos falaciosos sobre o funcionamento das democracias para poderem, elas mesmas, imitar o ditador turco na assumpção de um poder quase absoluto.
A exemplo de François Hollande, cuja decisão de não se recandidatar se aplaude por ser a única sensata, o primeiro-ministro italiano nunca deixou de ser um erro de casting como líder de uma esquerda, a que era ideologicamente adverso: nunca deixou de ser o democrata-cristão, que ficou sem partido e encontrou momentâneo abrigo na formação resultante do antigo Partido Comunista Italiano.
Vivemos, pois, numa época de grandes incertezas, muito semelhante à vivida no ano de 1931, aquele em que Ödön von Horváth escreveu a peça «Noite da Liberdade», que o Teatro Municipal de Almada tem em cena durante esta semana. Ou os democratas reagem e forçam os seus partidos políticos a reformularem as suas propostas de modo a resgatar eleitores a essa extrema-direita ou poderemos ver repetida a situação dos finais dos anos trinta, quando os fascismos pareciam expandir-se por toda a Europa.
Alguns dos que rodeiam Trump têm esse desejo como programa político para a Casa Branca. Vamos cuidar de que lhes saem as contas furadas...
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