Não é pela quase unanimidade nacional em torno de António Guterres, que me vou esquecer de quanto ele me desagradou enquanto secretário-geral PS e primeiro-ministro do país. Para os mais esquecidos convirá lembrar ter sido ele o melhor expoente nacional do ideário da Terceira Via que, por esses anos, fazia figura de coisa moderna nas ideias de uma esquerda, já então com o socialismo há muito na gaveta.
Ademais, se as mulheres portuguesas viram adiado por mais uns anos o direito a levarem ou não por diante uma gravidez indesejada, a ele o devem, quando pôs os seus preconceitos católicos acima do dever de governar para todos os cidadãos … mesmo para os dissonantes com a sua mundividência.
De alguma forma a (falta de) consideração por ele então sentida foi sendo reaferida em função da forma como correspondeu ao problema humanitário dos muitos refugiados e exilados, empurrados pelas guerras para as modestas tendas asseguradas pela ACNUR.
Quando se colocou a possibilidade de vê-lo à frente da ONU, preferi-o obviamente a qualquer dos seus rivais, mas poucas ilusões invisto no sucesso do seu desempenho. É que o redesenho previsível das relações geoestratégicas a nível mundial inerente à presença de Trump na Casa Branca pouca autonomia lhe dará para garantir o necessário para cumprir os seus objetivos. Sobretudo quando os milhões de operários enganados pelo novo Presidente despertarem para o pesadelo, que ajudaram a criar, e manifestarem ruidosamente o seu desagrado. Como sabemos é nessas alturas que os inquilinos da Casa Branca se põem a bombardear quem lhes sirva de bode expiatório para desviarem as atenções em alegado fervor patriótico.
Que restará então a Guterres senão pronunciar discursos inconsequentes?
Jasper Johns, Alfabeto
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