1. Diz-nos o «Expresso« que Passos Coelho já percorreu 30 mil quilómetros nos últimos meses para se convencer da possibilidade de manter do seu lado as tropas, que ameaçam virar-se para outro general. E porque há que lhes dizer alguma coisa vai inventando umas previsões cabalísticas, cujo significado profundo nos escapa. Ontem era o Diabo que aí vinha, agora temo-lo a pressentir a chegada dos três Reis Magos.
Já que, segundo diz, tão enigmáticas expressões não correspondem ao seu aparente significado e até terão sido desvirtuadas por interpretações jornalísticas sem sentido, continuamos a conjeturar se existirá nele uma espécie de réplica invertida de Mr. Chance, o fabuloso personagem criado por Peter Sellers em 1979, que falava de política com inequívoca sensatez, mesmo quando se limitava a descrever o que sucedia no seu jardim. Passos consegue não ter qualquer sentido, nem sensatez, mas porventura não estaremos à altura do seu elaborado pensamento.
Ou será que Ferreira Fernandes tem razão quando, um destes dias, aventou a possibilidade dele estar a tornar-se no campeão da piada involuntária?
“Na verdade, ele está a fazê-las de forma involuntária muito especial. É que Passos quer fazê-las mesmo, são piadas voluntárias, mas não tendo piada elas criam uma situação cómica involuntária. Não sei se dão conta, mas isso é do humor mais puro.”
2. Neste início de semana o ainda líder do PSD irá retomar a sua via sacra, carregando às costas as afirmações assassinas de Alberto João Jardim, as informações dos bastidores jornalísticos, que já dão o inevitável Miguel Relvas a preparar-lhe a sucessão e um dos mais respeitados barões do partido, Bacelar Gouveia, a dizer que “o PSD é um partido sem ideias, sem pessoas, que vai definhando num economês. E quando não tem capacidade autárquica, há uma grave crise de liderança.”
A possibilidade de Assunção Cristas ser a cabeça de cartaz para Lisboa, apoiada pelo antigo parceiro de coligação, cria um tal problema, que é licito questionar se os militantes laranjas terão a paciência de deixar Passos embater de frente com o gigantesco muro para onde acelera sempre que abre a boca.
3. Notícia interessante, mas a que se deu pouca importância neste fim de semana foi o sucedido em Foz do Arelho, onde se descobriu um comprometedor buraco de 30 mil euros nas contas da junta de freguesia. Ora, quem há três anos a ganhara fora um Movimento Cívico inspirado no seu adulado guru, o intrépido combatente anticorrupção Paulo Morais.
Afinal bem prega frei Tomás: os mais enfáticos defensores da transparência revelam-se particularmente opacos, quando são eles a tomarem conta dos dinheiros coletivos. Nada que a propósito de tal tipo de gente não suspeitássemos.
4. Andamos contentes com o sucesso turístico das nossas grandes cidades junto de centenas de milhares de estrangeiros que nos visitam e nos ajudam a compor o crescimento do PIB, mas distraímo-nos do que está a suceder: os lucros suscitados por crescimentos de dois dígitos nas dormidas em hotéis, hostels e outras ofertas de alojamento só estão a beneficiar os patrões, porque quem vende a força do seu trabalho nesse setor continua a ser miseravelmente remunerado e (sobre)vive na maior das precariedades.
Há licenciados a ganhar 2,5 euros à hora e o sindicato do setor denuncia existirem 82500 pessoas a trabalharem sem fazerem quaisquer descontos.
Mesmo nos restaurantes as gorjetas ficam para os patrões que alegam assim compensar a loiça, que se vai partindo. E, num setor aparentado, o das cantinas, 90% de quem ali trabalha, tem vínculo precário.
Percebe-se, pois, o quanto os patrões temem ver revista a Lei do Trabalho, que possibilita tais escândalos.
5. A concluir também vale olhar para o que, a respeito de Marcelo Rebelo de Sousa, se soube no fim-de-semana: além de ter chantageado António Costa sobre as PPP’s na Saúde, que não quer ver postas em causa - e o Hospital de Cascais está em vias de ver concluída a concessão até agora feita ao grupo Lusíadas - intrometeu-se indevidamente na questão do fecho da Cornucópia.
Não só não respeitou o cansaço de Luís Miguel Cintra, cuja doença já não lhe possibilitará liderar um projeto feito à sua imagem e semelhança, por isso mesmo impossível de ser retomado pelos sucessores, que ele não preparou, mas também revela uma inaceitável desconsideração para com os demais grupos de teatro que, mesmo depois dos cortes, nunca usufruíram dos apoios concedidos àquela companhia e continuam a fazer das tripas coração para nos presentearem com bom teatro.
Nestes dois exemplos fica bem demonstrada a razão porque Marcelo nunca será o meu Presidente. Sê-lo-á dos 30% de portugueses, que nele foram pôr a cruzinha no boletim de voto no dia da eleição presidencial. Ponto.
Sonia Delaunay, Mercado no Minho, 1915
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