Há cinquenta anos, aquando da transição do meu pai do estatuto de operário para o de técnico especializado, foi quase imediata a decisão de trocar a velha furgoneta, comprada em segunda mão, por um novíssimo Ford Cortina de um azul quase flamejante.
Orgulhosa do novo estatuto, a minha mãe logo chamou a si a tarefa de “decorar” o carro arranjando um seu bordado para a pequena prateleira na retaguarda sobre a qual colocou um vistoso cão acabado de adquirir. Tratava-se de um daqueles objetos de mau gosto, que ia acenando com a cabeça para cima e para baixo, tão só o carro se ia movimentando.
Andei pela net à procura do pindérico modelo então na moda, mas só encontrei o da imagem, que não possui a mesma dimensão foleira do original, embora mantenha a tal característica de ir mexendo o pescoço.
Recordei esse episódio pessoal ao acompanhar pelos telejornais a comparência de António Costa na sua primeira cimeira europeia em Bruxelas, logo seguida da participação na Conferência do Clima em Paris.
Os interlocutores do novo primeiro-ministro deverão ter sentido a falta do seu antecessor, que tão conhecido lhes era por estar permanentemente de acordo com o que merkel dissesse ou decidisse. No que era replicado pela ex-ministra das finanças, também ela esforçada apoiante de tudo quanto schäuble fosse debitando.
Portugal deixou de estar representado por políticos, que não conheciam a posição vertical senão quando compareciam perante os seus indefesos concidadãos, altura em que se faziam de fortes para cumprirem e fazerem cumprir tudo quanto a santíssima troika lhes impusesse.
Mas será que os líderes europeus irão estar confrontados com um novo Varoufakis? Claro que não, porque António Costa é bastante mais inteligente e menos emotivo. Em primeiro lugar, porque sabe reservar os seus silêncios, ostentando-os enquanto eles se revelarem eficientes. E, depois, perante posições com que não concorda, terá a prévia sensatez de aferir a relação de forças e conjugar-se com quem se possa aliar para aumentar as hipóteses de sucesso das suas expetativas.
Enquanto durar este XXI Governo Constitucional não voltaremos a ter como nossos titulares perante as instituições internacionais quem delas aceite ditames sem sequer os questionar. Pelo contrário, Costa já considerou existirem margens de flexibilidade nos tratados europeus, que a direita nunca soube ou quis explorar.
Exigindo ser tratado na base da igualdade entre todos os membros da União Europeia, António Costa nunca poderá aceitar a existência de uma Europa a duas velocidades e com critérios diferenciados no cumprimento dos seus tratados consoante se está no Sul ou no Norte do continente. E é essa a razão para esperarmos uma mudança política mais profunda nesta comunidade de nações, contestando-lhe a lógica economicista, que manda dar mais importância aos bancos do que aos seus clientes...
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